AGENDA CULTURAL

27.10.06

Nove tiros e várias lições

Hélio Consolaro

Nós, que nos achamos bons de coração, corretos cidadãos, gente de bem (não sabemos até quando, de repente praticamos uma barbaridade), não compreendemos qual é o sentimento que leva uma pessoa a tirar a vida da outra.

O assassino certamente disse: “Você não merece viver!” E sapecou nove tiros, nas obras da reforma da quadra esportiva da Escola Estadual Altina Moraes Sampaio, em Araçatuba, quando o ex-presidiário, que trabalhava como pedreiro no local foi morto, deixando alunos em pânico.

Não nos desesperemos, as crianças da escola tiveram uma grande lição, basta ter como professora uma mestra, aquela que tira lições da lama. Faz do limão limonada, não ensina apenas escrever e somar, mas também a encarar a vida, incorporando às suas aulas os fatos da realidade. Dizer-lhes que viver vale a pena, nem que ela seja mirrada e pequena.

Dizer que o mundo está perdido, que as crianças ficarão traumatizadas, que o governo é o culpado não é suficiente. Saiamos da indignação e adentremos a ação. Deixemos desse costume feio, judaico-cristão, de querer sempre encontrar culpados para as desgraças, procuremos a solução. Façamos como aquelas crianças: se o chafariz da praça estsbs sujo, lavaram-no.

Voltemos ao assassinato. Existe o crime praticado a sangue frio, premeditado, e aquele que é feito na hora da raiva que depois provoca um arrependimento desesperador: “por que fiz isso?” A vingança de terça-feira foi fruto de ódio guardado no congelador.

A fragilidade da condição humana atinge mais alguns do que outros, independentemente de estudo e de classe social. De repente, ela se manifesta. E está lá o corpo estendido no chão, coberto com um pano branco.

As pessoas rezam, se apegam a Deus, tentam atingir o mundo das excelências, mas, de vez em quando, a fragilidade humana berra em nós, sem pedir licença. Por isso julgar os outros não é uma boa atitude, porque, como diz a filosofia dos moradores do bairro da Mão Divina: ninguém sabe o dia de amanhã.

O assassinato de terça-feira foi chocante porque uma pessoa não tem mesmo o direito de recuperar a sua dignidade, deixar aquela vida marginal e ganhar o seu sustento com o suor do rosto.

A sociedade segrega o ex-presidiário, não lhe dando emprego. Quando consegue, como Nailton Ednei Cornélio, alguém brota de seu passado e vem lhe fazer uma cobrança. Uma história meio parecida como no filme “Meu Passo me Condena”.

Neste final de texto, não clamarei por nada, nem reivindicarei tudo. Apenas pedirei, caro leitor, que você repita aquela frase: vivo e deixo os outros viverem também.

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