AGENDA CULTURAL

13.10.06

Quando a poesia vira vida

Hélio Consolaro

Participar do 14.º Congresso Brasileiro de Poesia, em Bento Gonçalves-RS, foi uma experiência extasiante. Tudo muito simples, com o jeito democrático do organizador Ademir Antônio Bacca. Ao chegar pela primeira vez, cheguei a duvidar que lá haveria um congresso. Parecia tudo desorganizado, como são os quartos dos poetas. O evento é uma grande oficina.

De repente, do nada, no saguão do hotel Vinacap, alguém se levantava e gratuitamente declamava um poema, como se lá houvesse um sarau organizado. No café da manhã, alguém, falando espanhol, tirava da mala um violino e executava suas músicas. O pianista estava lá a fazer um concerto para os hóspedes no café da manhã. E todos vibravam com esse clima, como se fosse morrer amanhã, vivendo autenticamente o carpe diem retomado pelo filme Sociedade dos Poetas Mortos.

As vitrinas das lojas de Bento Gonçalves-RS apresentavam poemas e estrofes de Mário Quintana, o homenageado pelo evento, e outros poetas em letras brancas sobre o vidro, convidando a população a viver o clima.

Todos os dias, manhã, tarde e noite caravanas de poetas saíam em visita a escolas que vinham pegá-los de carro na frente da sede do Sesc (o patrocinador do evento). E lá, em cada escola, os alunos estavam reunidos, esperando a poesia se fazer pela boca dos poetas.

Não havia academicismo, tudo lá era oficina emocional, mesmo nas discussões, nos momentos mais corporativos, quando os poetas não discutem salário, mas como divulgar a poesia. O poeta mineiro Wilmar Silva, empolgado, chegou a dizer que poesia não é gênero literário, mas uma arte independente, como é a pintura, por exemplo.

Embora muitos vivam de poesia, vendendo seus livros nas esquinas, não havia poetas famosos, nenhuma estrela. Todos são poetas anônimos, como os poetas de Sidney (veja texto no boxe), porque o poema não é apenas um texto para ser estudado nas universidades, ele é vida, emoção, adrenalina. O seu ritmo nasce do ribombar do coração.

No sábado, 7/10, no encerramento, poetas, Antônio Ademir Bacca e o prefeito Alcindo Gabrielli (PMDB) plantam numa das praças de Bento Gonçalves-RS uma muda de pitangueira, símbolo do Congresso Brasileiro de Poesia. Em 2007, estará crescida.

OS POETAS DE SIDNEY
AG Jacobsen

Penso frequentemente
nos poetas de Sidney, Austrália.
Não naqueles que saem nos jornais,
dão entrevistas, publicam livros,
são respeitados e citados;
Mas naqueles que acordam pela manhã,
incertos de si mesmos.
E que, quando caminham pela rua,
não são cumprimentados ou reconhecidos;
são transeuntes quaisquer.
Penso freqüentemente
nos poetas de Sidney, Austrália.
Nos milhares de obscura existência,
que se perdem em quartos esquecidos,
nos seus empregos monótonos
e com suas mulheres cotidianas,
cujos versos sem sentido
e de dúbia qualidade,
nunca são lidos.
Suas palavras me corroem o espírito,
nessa mágica universal
que é ser poeta, desconhecido,
de Sidney,
na Austrália.


Um comentário:

Anônimo disse...

Que lindo, a beleza está na simplicidade. Assim como a poesia.
Você deve ter vivido momentos de êxtase lá em Bento Gonçalves.Rubem Alves, em seu livro "Ao professor, com o meu carinho" diz que "poema é magia...interpretação é bisturi do cérebro que retalha a palavra...poema é palavra mágica que chamamos vida que mora escondida em nós! Beijos