AGENDA CULTURAL

4.1.07

Tia Maria

Hélio Consolaro

Tia Maria pegou lata e enxada no sábado à tarde para cuidar de seu jardim, depois de uma semana de trabalho no cafezal. Em fins de semana, alongava-se. Na casa, dizia-se:

- Vai pro mato. Ninguém sabe onde se enfia...

Um dia descobririam seu esconderijo. Ah! se descobririam... Era uma questão de tempo, um desafio.

Nos sábados, os moços pegavam os cavalos e iam para os bailes, saíam à tardinha, andavam léguas para encontrar a alegria num terreiro com sanfona. Da Água Limpa, às vezes, iam com suas montarias luzidias até Cafezópolis, do outro lado da cidade. As moças só dançavam nos bailes da redondeza. Tia Maria não ia nem que fosse perto de casa, do lado ou na frente, era boba, não tinha o juízo perfeito.

Lazer e refúgio se davam naquele pedacinho. Um cantinho só de tia Maria, um jardim escondido, onde conversava sozinha, batia papo com Deus, acariciava as plantas. Gostava daquelas que dessem flores, nem que fossem do mato, mas com flores, selecionadas. Aquele jardinzinho destoava da quiçaça que o rodeava, perto de uma mina, onde não passava ninguém, só tia Maria.
Naquele sábado, não acreditou no que viu: um piseiro só. Tudo revirado, arrancado. Seriam os sobrinhos? As crianças nem ligavam, eram também bobinhas, ingênuas. Aqueles anjos que gritavam seu nome docemente:

- Tia Maria, tia Maria...

A nova geração também seria cruel com ela? Dos irmãos tinha péssimas recordações. Seria o pai autor de tão violenta destruição? Não podia ser. Severo e autoritário, mas jogava aberto, quando descobrira o jardim no pomar, ele com o rebenque a fizera pisar e arrancar suas próprias flores. Que dia doído.

Não podia ter nada seu, quarto, roupa, nem um canteiro no jardim da casa. Nem um cachorrinho. Tia Maria era boba, nascera mulher e ainda tivera meningite na infância, não estava nos planos de ninguém, era um estorvo. Nem mesmo dos sobrinhos que tanto adorava? Talvez fosse atabalhoada de tanto falarem que ela era boba.

Não podia aparecer na sala quando havia visitas, não participava dos poucos diálogos familiares. Apanhava do pai, apesar de ter passado dos 30 anos. Quando falava, ninguém ouvia. Nas brincadeiras, arrumavam para ela os namorados mais broncos do lugar:

- Lá vem o Pedro Bocó, namorado da Maria.

Moitas de capitães foçadas. Monsenhores com talos amassados. Sempre-vivas pisoteadas. Doído mesmo foi ver o canteiro dos beijos, floridos, várias cores, todo retirado, como se por cima tivesse passado um arado.

Não. Não foram os sobrinhos. Crianças gostam de apanhar flores, fazer buquês, levá-las para casa. Naqueles olhinhos espertos, daquelas bocas doces, que gritavam: “Tia Maria, tia Maria!” não habitava a maldade.

Só sobraram inteiras a roseira e a primavera, porque eram espinhentas, carregada de flores vermelhas. Como tia Maria gostava da cor vermelha! Não, não foram atacadas por causa de seus espinhos, mas também não podiam ser abraçadas. Tia Maria não resistiu, abraçou a roseira, chorou, soluçou, se arranhou.

Quando quase dormia sob o sol fraco do entardecer, ouviu barulho, rosnar de porcos, chafurdando na mina. Do desgraçado chiqueiro do Ricardo, malfeito, sempre escapava a porcada, fazia estrago nas roças. Era isso!

Levantou-se, olhou e enxugou as lágrimas na manga da camisa.

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