AGENDA CULTURAL

23.3.07

Eu sou o Baguaçu -


Hélio Consolaro - out. 2004


O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Porque o Tejo não é o rio que corre pelas minhas veias.
(Fernando Pessoa, com pequena adaptação)


Os rios são como veias, irrigam a Terra. E o Brasil deve ser aquela parte do corpo da Gaia cheia de veinhas: rios, ribeirões, riachos, córregos e regos. Como glóbulos, os caingangues corriam por eles.
Aqui no Brasil, cada cidade tem seu rio, pois seus fundadores procuravam a vida, mas mal sabiam que na labuta da sua busca, destruíam-na. Como vírus, os brancos corriam por ele.
Se Portugal tem o Tejo; Egito, o Nilo; Paris, o Sena; Londres, o Tâmisa; São Paulo, o Tietê; Araçatuba tem o Baguaçu. Alguns estão podres, outros foram recuperados, apodrecemos junto com eles.
Ribeirão lindo nos seus 55 km, como mostrou a reportagem desta Folha no sábado, porque ele é o rio de minha aldeia. Meu pai conta as aventuras de suas pescarias no Baguaçu, quando o ribeirão corria, protegido pelas matas.
O Baguaçu faz seu discurso, por ele lemos como são os habitantes de suas margens. Bons ou maus filhos, se valorizam ou não a mãe natureza.
Toda água é benta, por isso quem bebeu a água do Baguaçu e foi embora cavar a vida em outras paragens, volta sempre, porque ela corre em suas veias, compõe seu organismo. A parte que fica grita para que a parte que foi volte.
Se esse ribeirão nos dá a vida, também nos impõe limites, nos deixa embotados. Muitos de nossos conterrâneos são míopes, pois não enxergam além do Baguaçu, por isso, como vingança, destroem o ribeirão.
Pelo menos os moderninhos diziam isso antigamente, porque, agora, para atravessá-lo e conhecer novos horizontes, sair do embotamento, não precisamos de pinguelas ou pontes, basta ter rádio, tevê e internet.
Nós, araçatubenses, bebemos água, lavamos nossas roupas, cozinhamos alimentos, sobrevivemos com as águas do Baguaçu, mas, como agradecimento, defecamos nele, jogamos todos os dejetos em seu curso.
Meu corpo tem dois terços de água, então o ribeirão está em mim, inclusive os coliformes fecais dos companheiros de minha aldeia. Sou o Baguaçu.
Não adianta fugir dele, bebendo água de garrafão, porque todos os lençóis freáticos se cruzam no coração da Gaia, eles são veias subterrâneas do corpo.
Baguaçu, Baguaçu... Se eu o amasse como os portugueses amam o Tejo, seu nome devia estar todos os dias na Entrelinhas para que, junto com meus conterrâneos, de mãos dadas, o protegêssemos da destruição promovida por aqueles que, ainda míopes, não descobriram o seu valor.

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