AGENDA CULTURAL

2.3.07

Caminhadas na Pompeu

Hélio Consolaro

Estou presente nas caminhadas da av. Pompeu de Toledo, em Araçatuba. Espontaneamente se formam as turmas de cada horário, se não se tornam amigos, ficam conhecidos. Cada um vive a sua alma naquele momento.

Alguns usam a caminhada para sair de si mesmo, como é o meu caso; outros fazem dela um mergulho em seu próprio eu, um cultivo da interioridade.

Caminho como se estivesse na praia, porque há vários vendedores de água de coco em seus carrinhos. Se olho pra fora, vejo lojas e terrenos baldios, se me volto pra dentro da avenida, encontro o córrego moribundo. Nesse exercício, exterior e interior se cumprimentam.

No final de uma hora de tantos passos, tenho o prêmio: um copo de água gelada extraída dos cocos, comprada de uma garota que é um coqueiro, porque carrega em seu corpo dois exuberantes frutos que chamam a atenção dos transeuntes, não há quem não comente. É a nossa Fafá de Belém.

O psicanalista e cronista da Folha de São Paulo Contardo Calligaris (1948) escreveu que se sentia incomodado, pois chegara a uma idade em que gastava a maior parte de seu tempo em sobreviver, cuidando de sua saúde, como o centro de sua própria vida.

Considero que ele, agora, começou a viver, pois faz isso conscientemente o que fazia sem se dar conta em sua juventude. Somos como os políticos, blindados em nós mesmos.




Quase sempre acho alguém para trocar palavras, nem que seja uma conversa fática, apenas para manter o contato, de conhecer melhor o outro e, conseqüentemente, a mim mesmo. Aquele papo óbvio. Talvez até atrapalhe as caminhadas alheias, porque a minha interioridade já é cultivada, quando escrevo.

Depois de viver mais de 50 anos, caro leitor, descobri que viver para outro, viver o outro, sair de si mesmo é inerente ao ser humano, ninguém é egocêntrico, como nos fizeram acreditar.

De qualquer forma, somos o outro 24 horas por dia, às vezes, esse outro (ou esses outros) está mais perto, mais longe ou é desconhecido, porque na verdade eu sou o outro. Vivemos até os desejos dos mortos. Todos vivem em mim.

Há religiões que seguem o caminho inverso, pregam o altruísmo, com anulação total do “eu”, de um “eu” já fragilizado, mas o segredo da vida é eu viver eu mesmo, fortalecê-lo. Como posso fazer alguém feliz se não o sou?

Nisso, as caminhadas solitárias fazem mais bem à alma do que ao corpo, estão mais para Sócrates do que para Atlas, porque ela é uma conversa consigo mesmo, com a voz de dentro. Um momento de interioridade.

Nosso destino é caminhar em direção ao outro, procurando nós mesmos.

Um comentário:

Anônimo disse...

"Nosso destino é caminhar em direção ao outro, procurando nós mesmos." Lindo, meu cronista mor!!!