AGENDA CULTURAL

6.4.07

No chão de seu coração


Hélio Consolaro

Hoje, caro leitor, é Páscoa। Sei que você não é muito chegado a igrejas e outros papos místicos, mas tenha paciência com este croniqueiro que gosta de compartilhar suas inquietações com os 33 leitores desta coluna।

Deixemos por um momento os chocolates, os assados e bebidas para que consigamos transcender deste mundo consumista de comer, comer; beber, beber e engordar.

Páscoa, segundo a tradição cristã, é a festa mais importante do calendário religioso, porque festeja a ressurreição, a subida de Jesus Cristo para o céu, junto ao Senhor. A passagem de um mundo para outro, querendo nos mostrar que isso é possível também para nós, simples mortais. Aí vêm as igrejas e inventam algumas chantagens: para merecer o céu precisa disso, daquilo e mais outras coisas.

Não estou dizendo que as igrejas ensinam coisas erradas, mas a pedagogia é a mesma do pai que dará a bicicleta ao filho se ele fizer uma porção de coisas. A cada dia me convenço de que as religiões infantilizam e banalizam o sagrado e o místico, reduzimos tudo isso à limitação humana.

Confesso, caro leitor, que não sei se haveria outro caminho, porque igreja é um grupo de gente que procura a estrada da transcendência, e cada grupo diz que encontrou o caminho certo. Aí vira aquela concorrência, o self service religioso.

Leonardo Boff, em seus livros, leva-nos a descobrir dimensões capazes de promover nossa realização. Afinal, felicidade são momentos de transcendência, aquele estado de graça.

A transcendência é um desafio humano, chegamos até dizer que somos imagem e semelhança de Deus, pois nos sentimos maior do que nosso próprio corpo. Queremos ser seres especiais.

“Com nosso pensamento, habitamos as estrelas e rompemos todos os espaços.” Isso é transcendência porque rompe, vai para além daquilo que é dado. Ter os pés no chão e a cabeça nas nuvens, romper todos os limites, buscar nossa essência. A arte é uma forma de transcendência.

Para buscar momentos de transcendência, não são necessárias paisagens lindas e nem fundo musical de cantos gregorianos, às vezes, eles acontecem no ponto de ônibus, naqueles atos de solidariedade, nas horas de conversa com a voz de dentro, em que mergulhamos tanto em nossa alma que precisamos de alguém para nos resgatar. É viajar sem sair do lugar.

Quem preenche o vazio profundo que existe no ser humano? Deus brilha, ilumina e é a dimensão mais profunda de nós mesmos: “...a dificílima dangerosíssima viagem / de si a si mesmo:/pôr o pé no chão/ do seu coração...”.

Precisamos criar a solidariedade cósmica, só assim transcendemos nossa mediocridade.

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