AGENDA CULTURAL

23.4.07

Sempre por um fio


Hélio Consolaro

Este croniqueiro estava, no primeiro mês do ano, na sala de espera do Instituto do Coração de Rio Preto, esperando a filha ser submetida a uma cirurgia feita por sondas.

Apenas nestas horas é que sentimos a morte bem perto, embora seja uma companheira inarredável, sempre de nosso lado. É que na alegria, ela sabe o seu lugar: ser apenas cenário.

E a sala do hospital estava lotada, muitos eram os próprios pacientes. Quando o enfermeiro chamava alguém, a vida estava sempre por um fio.


Menininha nasceu com disritmia cardíaca, aqueles batimentos acelerados fora de hora. O médico, na adolescência dela, sentenciou:

- Defeito de fábrica, mas sem problemas, pode até ser esportista!

Ultimamente tais galopes, nada apaixonados, estavam atrapalhando-a profissionalmente. Por que não se livrar do problema! E assim foi.

Ainda não há controle de qualidade na hora de fazer as crianças, mas o futuro bate à porta do presente, logo, logo, com o mapa do DNA do feto, tais anomalias poderão ser eliminadas antes de a criança nascer, fazendo-se uma manipulação genética.

Não é sonho, caro leitor. Há alguns anos, imaginar que saberíamos o sexo da criança antes de ela nascer, era um filme de ficção científica. Agora, é componente do pré-natal.

Quando chego a uma sala de espera, de banco ou mesmo de hospital, fico observando cada rosto e imaginando a vida de cada pessoa. Vou construindo personagens.

Na sala de espera do Instituto do Coração, havia um casal de velhos. Ela era a futura paciente. Sentavam-se juntos na mesma poltrona. Para quem não os conhecia, um casal de pombos, um exemplo daquilo que Deus uniu, o ser humano jamais separou.

Um casal de velhos juntos é uma gracinha para quem os vê de longe, que fica imaginando um relacionamento cor-de-rosa. Arrancando suspiros:

- Que bonitinho!

O relacionamento do casal de pombos, velhos, da sala de espera, não era tão cor-de-rosa assim. A mulher disse ao marido que não reclamasse do preço cobrado pelo hospital, pois o dinheiro a ser pago pela cirurgia era da herança dela, porque ele sempre foi um simples caminhoneiro. Quer dizer: um pobretão. Pela resignação do velho, ele completava bodas de ouro ouvindo isso, essa coisa jogada na cara.

Meu rosto anuviou-se com tanta falta de sensibilidade. De repente, o médico chamou o meu nome para me dizer que Menininha estava bem, tudo tinha transcorrido muito bem.

A minha alegria foi tanta que até me esqueci da infelicidade dos velhos, que estavam juntos por obrigação. Cuidei de mim. Retornei no tempo, parecia que o médico havia me dito:

- É menina! Venha ver.

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