AGENDA CULTURAL

29.8.07

A vida é um circo


Hélio Consolaro

Fugir com o circo já foi sonho de muitos jovens nas cidades de interior, muitos se atreveram a realizar a fuga, porque o circo era a única saída: a liberdade de viajar, de ser artista, de conhecer o mundo.

O circo não acaba, porque o sonho de liberdade do ser humano sempre se renova. Ele simula a vida em cada espetáculo. Muda-se, transmuda-se e não perde o encantamento.
Adentrei os portais do Circo Portugal, navegando nas nuvens de algodão da doce da infância. Ele derretia na boca como os anos.

E para não me iludir, que eu não havia entrado no túnel do tempo, Ulisses, meu ex-aluno já quarentão, sentou-se ao meu lado. Proseamos.

Comigo estava o Consinha, meu neto, com os olhos atentos, espantando o sono, para não perder nenhum detalhe, perscrutava o mundo a que chegou recentemente.

Lá estava Menininha, minha filha, dizendo que em sua infância o trapézio ficava nas alturas; agora, adulta, nem tanto.

Os trapezistas mostravam que a vida são saltos no escuro, um risco. Mal-calculados, no circo, a rede ampara o corpo; enquanto na vida, estatela-se no chão.

O palhaço fazia graça de engolir uma vela e sair com uma lâmpada na bunda. Apesar de as crianças jogarem videogame, assistirem muito à tevê e já operarem computadores, ainda ficam encantadas com tais peripécias. Era o Circo do Coricocó ao vivo!

O globo da morte, com sua ação centrífuga, deixa os espectadores com o coração na mão, lembrando o universo. Numa hora, os corpos celestes que giram no espaço sideral, como as motos, podem se chocar e será o fim, mas o globo da morte do circo causa mais medo.

O ilusionismo, apesar de todo o trabalho de desmascarar os mágicos, feito pela tevê, ainda prende a atenção da platéia, porque “a arte é uma mentira que revela a verdade”, declarou Pablo Picasso.

A vida de cada um é uma trajetória de ilusões que exige mais requinte com o passar do tempo, porque já se sabe qual será o desfecho da história.

Então, caro leitor, a vida não deve ser levada a sério, porque nem dá para saber se vejo de fato a realidade ou tenho dela um arremedo, limitado por minhas antenas sensoriais. A vida é mesmo um circo, há muita razão na loucura.

Às vezes, a liberdade oferecida pelo circo é uma ilusão, porque ele é visto de longe, como um ídolo; visita a cidade de vez em quando, como um amante.

O cotidiano do circo aprisiona como os outros. E cantou Caetano Veloso: “Ninguém é normal de perto”. A liberdade está no jeito de olhar as coisas.

Mas, por favor, caro leitor, siga o conselho de Raul Seixas: se não tiver colírio, não use óculos escuros.

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