AGENDA CULTURAL

23.9.07

Vendem-se flores


Hélio Consolaro

Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
(Carlos Drummond de Andrade)

Hoje se tem o início da primavera: 23 de setembro. Você sabia, caro leitor? Talvez, não, porque o homem moderno está alheio, meio ensimesmado, com olhos apenas para os bolsos.

Os ricos estão com eles cheios, precisam de segurança; os pobres querem enchê-los, garantir a sobrevivência. Os dois se completam e se alienam. E este croniqueiro só corre atrás do prejuízo.

Poucos olham o céu, buscam as estrelas, nem têm palavras comoventes. E as ruas nem sempre estão floridas. As pessoas apenas correm, montadas em rodas, enganam os radares que controlam a velocidade.

O verão e o inverno são estações mais impositivas, não podem ser ignoradas, porque pegam na pele do cidadão, enquanto a primavera é mais coração. E ele está meio insensível. Além disso, compram-se flores transgênicas a qualquer época do ano.

Corremos as ruas impermeabilizadas, impenetráveis, frias, ladeadas por muros e portões que escondem o medo de seu semelhante. Nem os jardins domésticos ficam mais à vista, as praças públicas estão cinzentas e abandonadas. A grama é pisada impunemente. As andorinhas são indesejadas.

As plantas ignoram tudo isso e seguem a sua marcha, cumprem o script. Elas precisam florir, nem que sejam na forma mais atrofiada possível, num vaso, num estreito canteiro, numa trinca da calçada em forma de mirrada onze-horas.

Como animais em zoológicos, algumas ficam bem comportadas em vasos e estufas e têm nomes esquisitos, conforme a manipulação genética. Muitas viram mercadorias, é o ganha-pão de floristas.

A flor que expressa a paixão não foi cultivada pelos sentimentos, mas pechinchada na caixa da floricultura, a exemplo da alegria que brota de comprimidos antidepressivos.

Apesar de os seres humanos terem olhos apenas para a tela do computador, de mexerem em máquinas e terem o shopping como templo dominical, plantam árvores virtuais, miram o céu por figuras selecionadas no site de busca. A primavera teima em se manifestar como papel de parede na tela do computador.

A placa luminosa anuncia: vendem-se flores. A mulher entra e vê alguns vasos tão bonitos. E pergunta:

- São artificiais?

O vendedor diz que são naturais. E a consumidora responde:

- Nossa! São tão perfeitas que parecem ser de plástico!

Nisso, na capela funerária, o funcionário entrava com uma coroa de flores. Era uma homenagem encomendada.

Nenhum comentário: