23.10.07
Infância redesenhada
Hélio Consolaro
Às vezes, se encontram as pérolas nos lugares em que os porcos comem. E de pessoas desprezíveis brotam frases de compreensão. A alegria é muito boa, mas os momentos de sofrimento são inevitáveis, e com ele amadurecemos.
Isso acontece também com a leitura. Nem sempre, caro leitor, achará uma frase que lhe toca profundamente em best-sellers ou naqueles livros consagrados.
Dando aula, usando uma apostila bem básica, encontrei uma frase usada em questão de vestibular: “O traço todo da vida é para muitos um desenho de criança esquecido pelo homem, e ao qual este terá sempre de se cingir [envolver] sem o saber...” Guardei-a, porque me tocou e, por conseguinte, daria uma boa crônica de domingo.
Como localizar o autor de brilhante frase, se a apostila sonegava isso. Apelei pela minha enciclopédia Google (internet), e lá tive outra surpresa. Encontrei o nome de Joaquim Nabuco, mais político do que escritor, como autor da frase. Dele, só lera trechos e sua biografia e sei que empresta o nome à rua onde fica a Academia Araçatubense de Letras.
Lembrei-me de Edgard Morin (educador francês) que disse numa entrevista gostar de ler aqueles livros que não fazem sucesso, pertencente à literatura marginal ou brega, porque neles se aprende mais do que nos livros consagrados.
Em termos de desenho, não saí da fase da garatuja. Toda vez que mergulho na terceira margem de meu rio e estou com lápis ou caneta à mão, rabisco uma casa com um sol ao fundo e duas árvores, uma de cada lado. Ela é meio parecida com as casas, bem singelas, onde morei nos bairros rurais da Água Limpa e Cafezópolis, em Araçatuba.
Escrevi nesta coluna que estava me desconstruindo. Ninguém faz isso impunemente. A escritora Wanilda Borghi, companheira do Grupo Experimental, escreveu uma crônica neste espaço, na coluna “Soletrando”, de 18/10, que amigo dela, quando se viu com os filhos criados, e, por razão desconhecida, “solteiro” de novo, entrou em parafuso. Não sei por que, mas esse amigo parece ser este croniqueiro. Se não for, minhas escusas.
Fui me derrubando de picareta, marreta, talhadeira. Mudando o jeito de ser, adquirindo novos valores e hábitos, começando tudo novamente, mas quando cheguei àquela casinha singela, com o sol ao fundo e árvores laterais, abaixei a picareta e me desequilibrei.
Em vez de derrubá-la, que seria a destruição de mim mesmo, como pretendia, entrei nela me achando um covarde. E lá encontrei várias pessoas me esperando. Então, nos abraçamos, fui mais perdoado do que perdoei, e aos poucos me harmonizei.
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