Hélio Consolaro
Não diga, caro leitor, que eu seja chato. Vou começar com um exemplo da literatura, depois irei para o nosso cotidiano. Bentinho, personagem do livro Dom Casmurro, de Machado de Assis, quando foi lançado em 1899, era considerado um genro ideal. E Capitu era a vilã, mulher insinuante, uma sem-vergonha.
Passado um século, hoje Bentinho é o vilão: machista, ciumento, inseguro; enquanto Capitu é a imagem da mulher moderna, independente. O livro não mudou, a história é a mesma, apenas houve uma nova leitura.
Na minha época de estudante do antigo curso primário, havia as famosas trincas (bando de garotos de rua), hoje se chamam gangues. Havia a trinca do Zumim no bairro Santana, em Araçatuba, que andava com cabos de aço enrolados ao corpo como armas. Os meninos tiravam aquilo e davam com fé e vontade nos adversários. Lanhavam caras, pernas e corpos. Só que fatos populares não interessavam à imprensa, ou seja, a mídia era bem fraquinha. Hoje, qualquer briga de esquina vira notícia.
Outro dia, a professora do Consinha (três anos de idade) reclamou que ele estava com lutas na escola. Eles imitavam um desenho animado. Menininha (a mãe) e “tia” ficaram bravas com os garotos. Como avô, entrei na conversa, que se chamasse a atenção do garoto, mas não o castrasse, pois ele precisava extravasar sua energia e sua agressividade, que ele não podia ser criado como uma florzinha. O gênero masculino tem essas necessidades. Apesar de ele me respeitar muito, eu e o Consinha vivemos aos pontapés, claro, tudo na base da brincadeira.
Escrevo tudo isso porque a reportagem do jornal “Hoje”, da Globo, reproduziu vídeo de “brigas” de alunos do ensino médio de Cuiabá-MT, envolvendo, inclusive, alunos de escola particular. Inocentes, os jovens registraram em vídeo a luta e puseram-na na Internet.
A Globo, infelizmente, não apresentou nenhuma entrevista com psicopedagogos ou psicólogos, apenas se limitou a apresentar a indignação da locutora Fátima Bernardes. Não buscou uma interpretação mais científica para os fatos.
Então, caro leitor, não precisa ficar com aquela cara de desespero, como se o mundo estivesse perdido, porque ele está assim desde que Deus resolveu criá-lo. Herodes não matou as criancinhas, uma forma de controlar a natalidade, e Jesus escapou da atrocidade naquele momento?
Agora, você ficar dizendo: “Ai, Jesus!” Sai dessa, só me falta me dizer que antigamente era melhor. Indignação não resolve problemas.
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