Imenso canavial

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Hélio Consolaro

O boteco Bate Forte estava repleto de barrigudinhos nesta sexta-feira. O novo horário e o calor do verão fazia que o consumo de cerveja chegasse ao pico. Santo Onofre espiava lá de cima, de seu nicho, a beberagem, recebendo com gratidão os primeiros goles.

Faca Amolada e Caneta Louca, esbaforidos, atendiam aos pedidos que vinham aos gritos:

- Uma cerva bem gelada!

- Uma porção de calabresa em rodela!

Seu Sugiro, da calçada, gritou:

- Sugiro espetinhos de filé miau! Povo gosta, né! Consa também!

Os pedidos vieram a galope para alegria de churrasqueiro japonês.

Dona Assunta administrava a cozinha, Amelinha, a filha do casal, ficava no caixa, mais marcava do que recebia. Fim de mês era fim de mundo, ainda mais 29 de fevereiro de ano bissexto. Estava em funcionamento mais uma microempresa brasileira.

Burguês, bebendo apenas água tônica com limão, disse em voz bem alta que a Feicana estava superando a Expô. Era só tirar os artistas que chamavam o povão. Ficaria tudo igual

- Araçatuba está virando um imenso canavial – gritou Subversivo!

- Aqui, o pessoal vai ter que chupar cana para matar a fome!

Conversa de bêbados vai longe. Seu Lamentáveis gritou:

- Vai ficar bom, vai ter cachaça pra chuchu!

- Recebi uma garrafa de pinga boa, lá de São Bernardo. Dizem que é a cachaça do Lula.

Todos riram. Bicho Grilo chegou todo esotérico, dizendo algo sobre o ano bissexto:

- O último ano bissexto que tivemos foi 2004, que terminou contando os mortos do tsunami ocorrido no Oceano Índico em conseqüência de um terremoto ocorrido logo depois do Natal.

- Mas em 2001, caíram as torres gêmeas, e não foi em ano bissexto – disse Dr. Duas Caras.

- Certo, mas não foi fenômeno natural.

Magrão chutou o pau da barraca:

- Ano bissexto é desfavorável aos homens.

- Por quê? Quis saber Dona Moranga.

- Porque as mulheres têm mais um dia para falar nas orelhas dos homens.

Dona Assunta não gostou da observação, fez cara feia, mas como freguês manda no boteco, ficou calada. Dona Moranga chegou com o dedo em riste, bem na cara do Magrão:

- Rapaz, mais respeito com as mulheres, porque você não vive sem elas, seu panaca!

Miltão chegou nervoso. Queria dar sopapos em Magrão. A turma do deixa-disso chegou. Segura aqui, solta ali, cadeiras e mesas arrastadas. Até que o Faca Amolada gritou:

- Rodada por conta da casa!

O clima nervoso voltou ao normal no Bate Forte. A bandeira branca da paz predominou. E todos afogaram seus olhares para o copo cheio de cerveja. Caneta Louca entrou em funcionamento, marcava tudo em dobro.