AGENDA CULTURAL

24.2.08

A volta do cordeiro


Hélio Consolaro

O padre sempre chamava à frente os recém-nascidos da comunidade para abençoá-los. E comumente iam casais novos com seu primeiro filho, cheios de entusiasmo. Ele erguia a criança, mostrava-a aos fiéis, como a dizer que ela precisava da proteção de todos: era o verdadeiro batismo. Aquele gesto emocionava a todos.

Num certo dia, o ritual foi diferente. Havia no ar certo cheiro de abandono e acolhimento. Saiu lá de trás, sozinho, um senhor idoso, calvo, com o restante dos cabelos branco, segurando com muito carinho um bebê. Ele protegia-o com seus braços flácidos. Os olhares das pessoas, sentadas, eram de surpresa e não foi de muito entusiasmo do padre. Não disse ao microfone o nome dos pais nem quem era a criança. Afinal, que relação havia entre bebê e velhote? Nem mesmo ergueu a criança, o padre limitou-se a abraçar o velho e seu rebento. Será que o celebrante foi surpreendido? Tudo aquilo não fazia parte do script?

Aquela cena enterneceu este croniqueiro. Se eu fosse repórter, iria entrevistar aquele senhor idoso, saber tintim por tintim a razão de tudo aquilo, mas a reportagem não é meu gênero. Cabia-me olhar, até com os olhos rasos d’água, mas só olhar e imaginar, sem farejar, não tirar da cena a sua poesia. Dormi e acordei várias noites curtindo-a, criando hipóteses para que pudesse dividir com meus 33 leitores a beleza daquele gesto simples.

A cena devia ser videoclipe da Campanha da Fraternidade 2008: “Escolhe, pois, a vida”. Seria um pai retardatário? Um avô que lutou para que o feto não fosse abortado? Por que só ele teve a coragem de carregar a criança? Este croniqueiro podia elaborar outras hipóteses.

Mas, isso não importa, caro leitor. Todas as informações são detalhes desnecessários. O mais importante é que uma pessoa de geração bem anterior protegia a vida de quem chegava, era a vida sendo comemorada.

Nós, cristãos, precisamos dar mais um passo para ultrapassar as barreiras do antropocentrismo e chegar ao ecocentrismo. Não é só a vida humana que deve ser protegida, mas a vida do planeta ou o planeta vivo. Deus não fez o Éden (o planeta Terra) para que o ser humano o dominasse, mas para que nele se aninhasse. O mundo não é dos valentes, eles se acabam entre si, mas dos pacíficos.

Quem sabe o bombeiro birigüiense que arriscou a vida para salvar uma ninhada de gatos, tão elogiado por Heitor Gomes, Poeta das Multidões, possa um dia adentrar o templo com os bichinhos, como uma oferta ao altar em defesa da vida. Não seria oferecer o cordeiro em sacrifício, mas que ele saísse vivo do altar.

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