AGENDA CULTURAL

18.3.08

Remover as marcas do tempo

Hélio Consolaro

Não sei se o caro leitor assiste ao programa de Sílvio Santos no SBT, mas outro dia, passando pela sala de minha casa, estava lá o intrometido que adentrou o recinto pelas mãos da Japa. Já que entrou, fique. E da poltrona eu via a figura.

Já me disseram que a velhice se torna indisfarçável pelo pescoço e pelas mãos de uma pessoa, não há plástica que corrija. Bati o olho nas mãos do apresentador, era cadavérica. O pescoço se escondia num colarinho bem avantajado. A tese estava provada.

Este croniqueiro tinha algumas manchas escuras nas mãos, resquício de seu tempo de motoqueiro. Minha prima galhofeira disse que era sinal de velhice. Respondi-lhe à altura:

- Como não nascem tais manchas na bunda?

Todos, em torno de uma mesa, jogando tranca, riram muito. Procurei a dermatologista Maria Aparecida R. Levizuto e hoje estou livre delas, mas antes passei por alguns constrangimentos. Todas as manchas foram queimadas por nitrogênio, isso me deixou as mãos com feridas, como se eu tivesse sido torturado com pontas acesas de cigarro, despertando a curiosidade de alunos e amigos. Alguns me perguntavam o motivo, outros só faziam cara estranha.

Durante a infância, a juventude e a vida adulta, vive-se olhando para o futuro, pensa-se ser eterno, tudo é para sempre. Quando a idade avança, descobre-se a expressão latina “carpe diem”. Ela tem um significado especial e saboroso, então, vive-se mesmo o agora, porque amanhã ninguém sabe. E gastamos boa parte do tempo em sobreviver, cuidando de si mesmo, atitude que devíamos ter desde tenra idade.

Nunca me imaginava cuidando da própria aparência, isso não era atitude de um macho. De repente, Consa vira um metrossexual da terceira idade. Não sabe o que seja isso, caro leitor? Um homem hetero, da metrópole, preocupado com a aparência. Hoje, antes de sair de casa, me lambuzo, passo filtro solar: sinto-me uma moça. Credo! Falta-me freqüentar um instituto de beleza masculina. Com a agressividade de meus cabelos brancos, não sei, não...

Tenho por quem puxar. Seu Luís, às vésperas dos 80 anos, não sai de casa sem passar um perfume. Vive penteando seus parcos cabelos e lustrando os sapatos. E Dona Augusta não é diferente, já está querendo tirar as manchas de seus braços que enfrentaram o sol da roça.

Aceito a velhice que se avizinha, tenho orgulho de ser avô, mas procuro remover as marcas do tempo, não ser um velho relapso. Como dizem os experientes: não é a esperança a última que morre, mas a vaidade. Ela é sinal de que ainda não desistimos da vida.

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