AGENDA CULTURAL

8.6.08

Construindo a bruxa


Hélio Consolaro


O boteco Bate Forte estava lotado de barrigudinhos. Todos chegavam e faziam uma homenagem ao santo, o Onofre, jogando um gole no chão. Lá do seu nicho, a santidade observava as miudezas humanas. Dona Assunta morria de raiva desse ritual, pois precisava a toda hora enxugar o chão. Homem suja, mulher limpa. Era o seu discurso feminista.

Faca Amolada e Caneta Louca, com o clima temperado, serviam muito vinho, mas os pedidos de cerveja vinham aos gritos:

- Uma bem gelada aqui pro degas!

- Uma porção de lingüiça calabresa!

Seu sugiro gritou lá da calçada:

- Sugiro espetinhos de filé miau! Muito bom, né! Até espetinhos de queijo, né! Variar é bom, né!

E os pedidos choviam para alegria do japonês churrasqueiro. Dona Assunta administrava a cozinha; Amelinha, no quinto dia útil do mês, passava o rodo no caixa.

Amelinha desenhou dois corações na parede do boteco: Dia dos Namorados. Magrão já deu nome:

- Corações apaixonados: Amelinha & Caneta Louca.

- E quando será o casamento?

Como resposta, apenas sorrisos amarelos e tímidos.

E o blablablá de bêbados continuou.

- Por que os casais não continuam enamorados? – quis saber Banguelo. Depois de alguns anos de casados, nem se lembram mais desse 12 de junho.

Burguês quis contar uma piada:

- O casal de namorados estava na Praça Rui Barbosa, naquela época que dava para ficar à noite por lá. E a mocinha elogiou a Lua. E o rapaz respondeu que o luar estava com inveja dela, porque era mais bela.

- Que coisa romântica! – observou Mirto Fricote.

E Burguês continuou:

- Outro dia, depois de anos de casados, os dois passavam à noite pela mesma praça. E ela novamente observou a presença da Lua. O rapazinho, que já era um senhor agrisalhado, respondeu: “Nunca viu a lua, não, sua besta!”

Todos riram. Num canto, Dona Moranga construía uma bruxa, juntando peças, costurando à mão.

Jackie Abelhuda quis dar uma interpretação psicológica ao ato:

- As bruxas são construídas pelos homens, machos!

Ninguém prestou muita atenção à frase. Nisso, Subversivo fez aquela observação maldosa:

- Uma bruxa construindo outra!

Miltão, o marido, se levantou da cadeira, pegou o Subversivo pelo colarinho, levantando-o do chão por várias vezes, dando-lhe tapas na cara. A turma do deixa-disso entrou em ação. Tiraram aquela magra criatura das mãos do troglodita.

Faca Amolada gritou logo a senha da paz:

- Rodada por conta da casa!

E o sururu terminou, mas Magrão ficou observando o Caneta Louca, se marcava nas comandas aquilo que havido sido gratuito.

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