Hélio Consolaro
O boteco Bate Forte estava repleto de barrigudinhos no Dia Nacional da Cerveja, mas, devido ao clima fresco, se consumiam outras bebidas, como cachaça, conhaque, rabo-de-galo e vinho. Não importava a bebida, o primeiro gole era do santo, o Onofre, para desespero de Dona Assunta, que tinha de passar rodo e pano a toda hora no ladrilho do bar.
Faca Amolada e Caneta Louca, esbaforidos, corriam pra lá e pra cá, atendendo aos pedidos que vinham aos gritos:
- Uma garrafa de vinho, por favor!
- Uma cerva para o degas, aqui.
- Uma tigela de caldo de mocotó! Preciso rebater este frio...
Seu Sugiro, para não perder o costume, gritou lá da calçada:
- Sugiro espetinhos de filé miau. Bom, né! Tem espetinhos de filé de queijo. Bom né!
E a dupla Marmita & Passa Fome animava o ambiente, cantando “Romaria”, de Renato Teixeira:
- Sou caipira, Pirapora Nossa / Senhora de Aparecida / Ilumina a mina escura e funda / O trem da minha vida.
Magrão, com a música, se lembrou de perguntar ao Dr. Duas Caras, que havia chegado, sentado, e feito o tradicional piparote no ar, pedindo duas cervejas: a clara e a escura.
- Que o senhor acha do projeto daquele deputado evangélico, querendo cassar N.S. Aparecida de ser a padroeira do Brasil?
Como o advogado estava sóbrio, a resposta veio ponderada:
- Olha, o Brasil é um Estado laico, não discrimina e nem privilegia religiões. O deputado está certo, mas isso devia ser proposto por um parlamentar sem convicções religiosas evidentes. Como tirar o padroado de uma santa num país com maioria católica, e ainda proposto por um deputado evangélico!
E assim, Magrão, esperou que o advogado bebesse suas três cervejas e ficasse vermelho, com as veias do pescoço estufadas.
Pá de cá, pá de lá. Chegou a hora. Magrão fez a mesma pergunta. E a resposta, agora, veio trôpega, nadando em copos de cerveja, com toda a insensatez:
- Esses crentes pensam que só eles estão salvos. Já chutaram a santa na televisão, agora querem tirar o seu padroado. Não sou católico fervoroso, mas não mexam com a santinha!
Mimoso, que é evangélico, se condoeu:
- Epa, doutor! Respeite, sou evangélico! Não somos assim, como o senhor tá falando.
Dr. Duas Caras disse coisas impublicáveis, recorrendo até à homossexualidade do interlocutor. Houve ouriço no Bate Forte. Faca Amolada, para evitar a guerra santa, já gritou:
- Rodada por conta da casa!
Amelinha, no caixa, fez o nome do pai. E a alegria continuou no boteco, sob os olhares desconfiados de Magrão. Caneta Louca ladrão!
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