AGENDA CULTURAL

18.6.08

Tanto lá, como cá


Hélio Consolaro

No Brasil, ser japonês, nissei, sansei ou nonsei é fácil, porque é um povo prestigiado. Nenhum descendente de oriental vai fazer plástica para ocidentalizar a fisionomia. Por que mudar a cara, se é bem recebido em qualquer lugar. E assim “japoneso” e “japonesa” tinham de casar com gente da colônia, nada de misturar. A miscigenação veio devagarzinho, forçando a barra.

Mas não faltou o “japonês calabrês, foi o diabo quem te fez”, como imigrantes eram também chamados pejorativamente de bodes. A perseguida nipônica tinha o rasgo atravessado e o bilau desse tamainho... Os japoneses construíram o respeito gozado no Brasil moderno a duras penas, nada foi fácil. Sempre tinham um sorriso no rosto, nem que fosse forçado. Muitos viraram até cristãos como forma de adaptação.

Alguns incorporaram o sorriso na face. Sabiam que galo em terreiro estranho é franga. Nesse costume, tomaram a posição: se há governo, somos a favor. Nada de arrumar confusão, pois Getúlio Vargas havia mostrado que ditadura brasileira não brincava em serviço. Todos os vereadores eleitos pela colônia araçatubense apoiaram o prefeito.

A recíproca é verdadeira. Os decasséguis foram trabalhar no pesado assim que chegaram ao Japão, lá os japoneses não são diferentes com os brasileiros de olhos amendoados, pois pegam os piores serviços. É o preço de quem sai de sua pátria, embora todos devessem ser cidadãos do mundo.

A diferença é que os decasséguis brasileiros são meio danados, quiseram cantar de galo em terreiro estranho e ficaram com o nome sujo. Por lá, brasileiro não consegue nem alugar casa.

Se por aqui, encontram-se as tradições japonesas conservadas pelos descendentes, lá no Japão a cultura foi triturada pelo americanismo. As mulheres se ocidentalizam, ser bonito por lá é se parecer com branco, porque monopolizam a mídia. Na televisão japonesa, o programa Beauty Colosseum é sucesso de audiência. Num cenário kitsch, com cores gritantes e colunas gregas de papelão, mulheres desesperadas contam suas histórias ao casal de apresentadores. Participam um estilista, um cabeleireiro, uma maquiadora e um cirurgião plástico. Um mês depois, elas voltam ao programa para mostrar como uma boa cirurgia estética torna qualquer um feliz. O cirurgião que participa do programa se tornou um astro e dirige uma rede de 14 clínicas.

O sociólogo Shinji Kamikawa, crítico de tevê no Japão, diz que “o oriente parece perdido em muitos aspectos [...] Parece que estamos desenvolvendo

um complexo de inferioridade, de que aquilo que é falado em inglês é melhor, os costumes estrangeiros são melhores”. Ele reclama do fato de os desenhos animados japoneses não apresentarem personagens com olhos puxados. “Só pode prejudicar o processo de identificação de nossas crianças, que começam a invejar os traços ocidentais.”

Tanto lá, como cá, o sabiá canta, não importa a árvore, pois os olhos já não são tão amendoados. Pudera! Já se foram cem anos!

Nenhum comentário: