AGENDA CULTURAL

31.8.08

Mulheres não voltam pra casa


Hélio Consolaro


Dos olhos de Deus, feridos de tanto brilho, deslizou uma lágrima. Dessa água, escapou uma mulher. Aquela era a primeira mulher.


Fui ao tratamento dentário. Na sala de espera, estavam algumas dentistas da casa querendo encontrar horário para um cliente naquele jogo de planilha. O único ser do gênero masculino da roda era Fernando Calestini. Pá de cá, pá de lá, nada ficou resolvido.

Já com a boca aberta para o mundo, antes da picada da anestesia, como macho mais velho, dei-lhe um conselho:

- Você na roda só ia atrapalhar. Quando acontece isso comigo, esses impasses, que elas resolvam por mim, depois aceito a decisão, fica mais fácil.

Ele pensou, pensou. Cutucou, cutucou minha boca. E respondeu laconicamente:

- Você tem razão.

Este croniqueiro desistiu de compreender as mulheres. Não as desprezo com isso, apenas evito conflitos desnecessários. Se querem decidir por mim, que façam, obedecer é mais fácil. Assim economizo energia.

Não digo que homens são do planeta Marte; e mulheres, de Vênus. Não chego a esse exagero, mas admito que são bem diferentes em tudo, alguém precisa ceder, nesse caso, sou eu. Afinal, a idade serve para alguma coisa: arrefecer a teimosia.

Ao ler o livro “O último vôo do flamingo”, do escritor moçambicano Mia Couto, encontrei uma epígrafe no capítulo 7 que vale toda a obra. O trecho escolhido para iniciá-lo é um diálogo entre as personagens Massimo Risi, o italiano, e Ana Deusqueira, prostituta da longínqua Tizanga:

- Tenho saudades de minha casa lá na Itália.

- Também eu gostava de ter um lugarzinho meu, onde pudesse chegar e me aconchegar.

- Não tem, Ana?

- Não tenho? Não temos, todas nós, as mulheres.

- Como não?

- Vocês, homens, vêm para casa. Nós somos a casa.

As mulheres reconhecem os homens por qualquer parte do corpo. Há uma passagem no livro em que aparecem soldados da ONU explodidos por minas (capacetes azuis), apenas sobrando inteiro o pênis. Ana Deusqueira é chamada para “identificar o todo pela parte”, só ela podia fazer isso. Parece uma cena de mau gosto, humor negro, mas, na verdade, tem um grande sentido metafórico.

Então, caro leitor, faça um exercício de memória, tente lembrar que mulheres abandonaram o lar. Geralmente, quem é posto pra fora é o marido, o companheiro. E a casa é o coração de uma mulher, cujo piso é fofo e o som ambiente é suave e de enlevo.

Diziam os homens românticos que em mulher não se bate nem com uma flor. O homem que é homem devora as mulheres, querem entrar nelas,

desejam voltar pra casa.

2 comentários:

Anônimo disse...

Professor, muito bonito o texto. Como diz o poeta Friedrich von Hardenberg "O caminho do mistério aponta para dentro". E o que é o mistério, senão as próprias células que constituem o ser. Na melhor das hipóteses, o melhor mesmo é voltar para casa - esse centro do mundo- e encontrar-se com a natureza, essa mesma, que faz do ser um homem.
Rita

Anônimo disse...

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