Nacionalismo e literatura

Hélio Consolaro

Comemoram-se 186 anos da independência do Brasil. Momento de pensar na pátria e como o sentimento nacionalista foi criado. O movimento romântico, surgido na Europa, atendia à estética burguesa (Revolução Francesa de 1789), que valorizava o liberalismo, a pessoa e a iniciativa privada. Ao encontro do ideário burguês, vinha o subjetivismo, a valorização das emoções, a fantasia e a explosão formal da obra de arte praticada pelo Romantismo. Além dos valores burgueses, a obra de arte passou a ser uma mercadoria. Para que a literatura, uma das artes, fosse consumida pela nova classe, precisava ser palatável. Os padrões estéticos do Classicismo, que atendia à nobreza, não eram mais desejáveis. E dentro do novo paradigma estava o nacionalismo, pois o novo Estado se erguia sob os princípios liberais; não era mais o reino, mas a nação, e os hinos não cantavam loas ao rei, mas enaltecia a nação. Criar esse novo sentimento cabia à mídia da época, dentre os meios, o livro, a literatura. Nesta época, o Brasil era um país recém-independente de Portugal, carente desse sentimento. O Romantismo veio a calhar. Na Europa, à procura das raízes da nação se dava por meio de romances que voltavam à Idade Média. Buscar um herói no passado era uma forma de os livros criarem o sentimento de nação. O herói de nossas histórias, então, foi o índio, bem mais adequado que o negro, pois o nativo não se submetia à escravidão e foram os primeiros brasileiros. Assim Gonçalves Dias compôs poemas como Canção do Exílio, que teve versos incorporados ao Hino Nacional e praticou a poesia indianista, como I-Juca-Pirama, Canto do Piaga, Marabá, Leito de Folhas Verdes. José de Alencar escreveu O Guarani, Ubirajara, Iracema. Em termos de literatura, o mais importante é que se começou a criar timidamente, com o Romantismo, um “português brasileiro” no jeito de escrever. Tal iniciativa nacionalista na língua foi retomada pelo Modernismo, quando se deu, de fato, o rompimento com o lusismo lingüístico. A partir de 1922, a literatura brasileira passou a influenciar Portugal em vez de receber influência dele. Principalmente, com a segunda geração. Aliás, há estudiosos que classificam apenas dois movimentos literários no Brasil, que se preocuparam com a identidade brasileira: Romantismo e Modernismo. Antes deste, as demais épocas literárias eram prolongamentos da estética européia. O Parnasianismo desenvolveu um nacionalismo mais governamental, ligado à Guerra do Paraguai, chamado de movimento literário “chapa branca”. Nossos hinos têm letras totalmente parnasianas, difíceis de ser entendidas. Olavo Bilac, por exemplo, lutou incansavelmente pelo serviço militar obrigatório para os moços. De uma forma ou de outra, bem ou mal, a literatura brasileira ajudou a criar o sentimento de pertença nos brasileiros, como a idéia de um país com natureza exuberante e riqueza inesgotável. Tão forte, às vezes, enviesado, que dificulta redimensioná-lo no terceiro milênio.