AGENDA CULTURAL

4.4.09

Até que a morte nos una


Hélio Consolaro

Veja os dizeres da faixa que foi estendida numa das avenidas bem movimentada de Araçatuba: “Doam-se gatinhos castrados”.
As pessoas querem gatos mutilados, não desejam felinos machos com sua natureza livre e solta, que se alongam durante dias à procura de fêmeas para o acasalamento. A liberdade nos incomoda.
Ao ver a faixa, parei o carro, retirei minha arma (uma câmera digital) e disparei. Era um anúncio diferente. Na mesma hora, lembrei-me da mulher que fez um pedido ao gênio da garrafa:
- Transforme o meu gato num belo príncipe!
E o gênio, num plim, cumpriu o desejo dela. E o príncipe, todo charmoso, com todos os trejeitos, disse-lhe:
- Bem feito! Quem mandou a senhora castrar o gato?
Ficou sem príncipe. Ganhou de presente uma princesa!
O humor da piada é sinistro, porque castrar é eliminar os órgãos reprodutores de alguém, deixá-lo incompleto, mutilado, mas a pessoa faz isso porque o “animalzinho é de estimação”. Não desejo essa estima nem a meus inimigos.
Por mais que se tente mascarar, castrar animais não é um ato amoroso, porque temos o estereótipo cristão de que se deseja o bem da pessoa amada, nunca o mal, mas não é isso que se vê na prática e na faixa. Na verdade, não se ama ninguém, a não ser a si mesmo.
Assim deixamos nossos filhos limitados, pois de tanto amá-los erroneamente, não os deixamos explorar o mundo, ficam psiquicamente atrofiados.
“Eu calço é 37/ Meu pai me dá 36/ Dói, mas no dia seguinte/ Aperto meu pé outra vez/ Pai, eu já to crescidinho/ Pague pra ver, que eu aposto/ Vou escolher meu sapato/ E andar do jeito que eu gosto” (Raul Seixas)
O escritor Rubem Alves escreveu que o sentimento que mais une as pessoas não é o amor, mas o ódio. O casal já não se suporta, mas os cônjuges ficam juntos de raiva, para não dar ao outro a alegria da separação.
Como canta Chico Buarque em O casamento de pequenos burgueses: “Ela esquenta a papa do neto / E ele quase que fez fortuna/ Vão viver sob o mesmo teto/ Até que a morte os uma/ Até que a morte os una”Este croniqueiro não tem pássaros na gaiola, amo-os livres, voando, nem que de cima das árvores defequem em minha cabeça.


6 comentários:

Patrícia Bracale disse...

Hélio,
Meu gato é castrado.
Meu número é 36.
Mas os pés dos meus filhos vão crescer e trilhar seus próprios caminhos...
Em casa nem gaiola vazia, só as grades do portão.

Anônimo disse...

A Elaine também é pedófila.

Anônimo disse...

Hélio, é importante ressaltar também o caso da castração preventiva de doenças, como o cancer de utero. Minha cachorrinha acabou de ser castrada, e já teve duas gravidez psicologica e o utero dela estava alterado. A veterinária dele incentiva a castraçao tantos do cachorros como dos gatos para prevenir que na velhice eles sofram mais ainda...
Mas gostei do texto....

HAMILTON BRITO... disse...

SEI NAo MAS,DIGA QUEM SOUBER:
nao foi neste lugar que o poeta das multidoes nasceu?

Anônimo disse...

Animais castrados é um ato de amor sim senhor,falta de amor é essa multidão de gatinhos e cãezinhos que encontramos por aí abandonados,quanto mais cães e gatos se acasalando mais filhotinhos sofrendo com fome e frio,sem lar e sem carinho.É isso que voce quer??

Márcia disse...

Gostei quando você disse: "Retirei minha arma e disparei". Tenho perdido muita oportunidade de denunciar atrocidades (de todos os gêneros) porque sempre esqueço minha câmera em casa ou em outra bolsa! Lindo texto! Ele dá margem a muitas discussões, sobretudo quando esquecemos que quem deve mudar somos nós e não os outros...