AGENDA CULTURAL

18.4.09

A cara do umbigo

Hélio Consolaro

Na minha meninice, eu dizia “embigo”. Variável popular de “umbigo”. Assim como o povo diz “mendingo”, enquanto a variável culta é “mendigo”.
Naquela época, apesar da caipirice, eu via a cara de meu umbigo. Já o lavei por muitas vezes, tirei caca dele. Na adolescência, barriga não é sinônimo de protuberância, nem é chamada de árvore de cemitério. É um lugar do corpo que tem esse nome.
Na minha envelhescência, além de ter a barriga levemente avantajada, o umbigo começou a estufar. Então, a cara do meu umbigo desapareceu. Há anos, não ficava mais olhando pra ele em sinal de ensimesmamento.
Vem pra cá, vai pra lá. Precisei retirar um pequeno caroço de uma das sobrancelhas com o Dr. Paulo Spessoto e mostrei-lhe meu umbigo estufado, sapo zoiudo. E ele me recomendou alguns médicos, dentre eles o Dr. Celso Gonçalves.
Mais um tempo. Vem pra cá, vai pra lá. Marquei a consulta, fiz os exames pré-operatórios. Na semana da cirurgia, peguei gripe brava. Barriga cortada e tosse não combinam. Operação adiada.
- Tá com medo, cara! – disse-me o Dr. Celso com aquele jeito debochado.
Mais um vem-pra-cá, vai-pra-lá. Na semana santa, ele passou o bisturi em minha pança. Enquanto Jesus Cristo dizia na cruz: “Pai, por que me abandonaste”, eu disse mais ou menos a mesma coisa na mesa da cirurgia.
Na ida de maca até a sala de cirurgia, vi teto, laje, luminárias passarem rapidamente. Vi o mundo diferente. Acordei depois, como se nada tivesse acontecido. Mas também, o hospital é bom e o Dr. Celso é membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (redução do estômago) e especialista do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva.
Não avisei ninguém. Saí como se fosse passear com a Japa e me internei, para que meus adversários não rezassem por mim. Cheguei de volta ao Grupo Experimental, cujos membros são aspirantes a acadêmicos da Academia Araçatubense de Letras, gritei logo no limiar:
- Não foi dessa vez! Todas as cadeiras estão preenchidas!
Vi a tristeza de alguns e a alegria de muitos.
No quarto hospitalar, andei no final do primeiro dia. No segundo, me deram alta. Na saída do hospital da Unimed, queria ir andando, mas me puseram em cadeira de rodas.
Nem por isso, caro leitor, o deixei sem a crônica semanal. Afinal, escrever é expulsar os demônios, espantar o medo.
Já sei que meu umbigo está visível, que ele está lá fazendo careta. Não vou perder a barriguinha, capital de 60 anos de suados copos de cerveja.

7 comentários:

Patrícia Bracale disse...

Melhor um umbigo fazendo careta do que assentar na Flor de Lótus...
Um brinde a barriguinha.

Nathália de Alencar disse...

Sempre visito o site "Por trás das letras" e gosto muito. Sou estudante de letras. Se me permitir, colocarei um link em meu novo blog do seu. Abraços...

Anônimo disse...

Soneto ao Umbigo do Hélio

Meu caro amigo Hélio Consolaro...
Pensaste à mesa: “A vida por um triz?
Fugaz é a sala, a lousa e até meu giz.”
Não! És um imortal, tens lá um amparo.

Meu caro amigo Hélio Consolaro...
Puseste à mesa a vida e a cicatriz,
Agora fale, grite mais feliz:
Sou imortal, nem vem, já fiz reparo.

Eu quero é mais encher meu abdômen,
Eu quero arder, sofrer literatura,
Eu quero arcar, perder, mais com cultura...

É isso, eu fico, escrevo de pirraça,
Eu sou da terra, atesto, eu sou de Araça:
Sou um Hélio a mais que o umbigo soube o nome.

HAMILTON BRITO... disse...

TEM CERTEZA QUE A IMAGEM MOSTRADA É MESMO A DO UMBIGO, MESTRE.

Tiago Cunha disse...

Muito bom a crônica Consa, sempre passo por aqui porque me divirto e aprendo, quer coisa melhor??.

Abraço,

Tiago Cunha.

P.S. Viva ao quadrado os copos de cderveja...

O Poeta das Multidões disse...

Pr5ofessor, que diabo de umbigo feio. gOSTEI DA CRONICA.

O Poeta das Multidões disse...

Que diabo de umbigo feio. Gostei da cronica.