4.4.10
Senhor Morto e Chico Xavier
Hélio Consolaro*
Na sexta-feira, 2 de abril, relembrou-se a Paixão de Cristo na cruz. Na procissão do Senhor Morto, rito da Igreja Católica, muitas pessoas choraram. Não sei se as lágrimas foram denotativas, apenas pela morte de Cristo como fato histórico; ou conotativas, lamentaram a nossa própria insignificância diante do universo, como se contextualizassem o sofrimento de cada chorão na caminhada da humanidade.
Nas reportagens sobre o centenário do nascimento de Chico Xavier, ouvi-o dizer que a pessoa boa é sensível à angústia alheia. Ela não quer provocar a angústia nos outros, como consola os angustiados. Posto isso como verdade, uma pessoa que chora na procissão do Senhor Morto tem uma grande chance de ser portadora de bons sentimentos.
O Brasil é o país mais espírita, mais kardecista do mundo. Sei que algumas religiões, com seu fundamentalismo, andam dizendo bobagens do espiritismo. Embora eu não seja seguidor de Allan Kardec (1804-1869), não admito tais ataques, é um atraso, vivemos num país religiosamente plural. Só devemos abominar as religiões que pregam e praticam a violência.
Voltando ao tema, as celebrações são um teatro, no sentido positivo da representação, vejo nelas catarse (purificação, alívio) e mimese (recriação da realidade), aquilo que se propunha fazer o teatro grego. Então, viver e reviver a expiação em atos de nossas vidas pode ter efeitos sociológicos (prática da solidariedade), não só psicológicos (alívio pessoal).
Assim, ao ouvir Chico Xavier na quinta-feira, tentei ser bom, propus para a Japa:
- Vamos a Presidente Venceslau amanhã visitar sua irmã?
A irmã dela teve vários AVCs e está em cadeira de rodas. Sem dúvida, está carregando a sua cruz. E pelo estado depressivo em que a encontramos, se não dizia em voz alta, pelo menos pensava:
- Pai, afaste de mim este cálice!
Na hora da doença, vivemos a solitude. Nesse momento desesperador, descobrimos, afinal, que somos sós. E se não quisermos ficar mais só ainda, temos que chamar Deus por companhia. Por mais solidariedade que exista, não é possível fazer algo pelo doente a não ser confortá-lo, aliviar a sua dor. Os filhos e o marido cuidam dela diuturnamente, mas ela só tem como companhia a solitude.
Não sei se a visita, depois de rodar 200 km, foi benéfica à enferma, mas fez um bem danado a nós, deixando-nos aliviados, zen. Neste mundo interpenetrado, formando um todo em todos os momentos, o intercâmbio entre os seres, e entre os seres e o mundo é contínuo. Quase sempre, o doente mais ajuda do que atrapalha.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras. Atualmente é secretário da Cultura de Araçatuba.
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4 comentários:
Nunca vi exemplo melhor do que o Chico com suas doenças físicas.
Ele sempre as teve como companheiras depurativas...
Ver um espirito tão evoluído em caridade sendo levado num corpo velho e doente com tanta dignidade, com um carinho a todos que se aproximavam dele.
São oportunidades únicas que visitam nossa memória pra nos tornarmos melhores e solidários a cada dia.
::: Chico Xavier foi e sempre será uma pessoa muito especial para todos nós. Merece todas as homenagens e o sucesso de seu filme.
E, para variar, seus textos são magníficos, Consa. Adorei a história e me ajudou a refletir.
"Quase sempre, o doente mais ajuda do que atrapalha."
Muito bom, não importa se concordamos ou não, bacana é não permitir a intolerâcia em nenhum aspecto.
Parabéns!
Abraços, aguardo sua visita no meu blog...
http://hmascaros.blogspot.com
Texto muito bom! Adorei!
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