AGENDA CULTURAL

16.5.10

A inspiração vem de onde?


Hélio Consolaro*




As pessoas estão sempre me perguntando como fazer para escrever bem, como se houvesse uma receita mágica. Tenho dito e redito que ler faz bem e escrever sempre deve ser um hábito.


O escultor não faz uma bela estatueta na primeira vez em que entra em contato com o barro. No começo, ele é dominado pelo barro, sua obra não tem plasticidade. O belo só vai aparecer quando o escultor dominar o barro, fazer dele o que desejar.


Não é diferente com a escrita. E se o texto for literário (artístico), liberar-se é uma necessidade, não só para o escritor, mas para todos os artistas. Outro dia um amigo me confessou:


- Cara, tomei vodca e produzi alguns textos irreconhecíveis, nem pareciam ser meus de tão belos...


Não estou aqui estimulando o uso de drogas, mas às vezes elas são necessárias na criação se a pessoa for muito travada por dentro.


Soltar a franga, produzir sem censura, não ter medo do ridículo, não se preocupar se for chamado de louco deve ser preocupação de todo artista. Não existe nada mais anticriativo do que o preconceito e as convenções sociais. Desvencilhar-se do censor interno é uma necessidade.

Depois de o texto (ou o esboço da obra) estar definido, do transe criativo encerrado, o artista vai chamar a razão para configurá-lo com mais rigor, trabalhando a forma. Cortar obsessivamente palavras, como escreveu Blaise Pascal: “Fiz esta carta mais longa porque não tive tempo de fazê-la curta”.


Manuel Bandeira demorou 20 anos para publicar Pasárgada. Mário de Andrade escreveu Macunaíma em 15 dias, demorou dois anos para publicá-lo. O artista burila, tira as imperfeições, vai enfeitando a sua obra, como a bordadeira o faz com os tecidos. Você, caro leitor, não precisa chegar a este exagero, mas deixar o texto dormir no HD de seu computador faz muito bem. Até acordá-lo para outra revisão.


Outra pergunta que sempre surge: De onde vem a inspiração? Esquece-se o inquiridor da transpiração. Não desejo a esterilidade parnasiana, mas vejo o emocionalismo romântico de soslaio.


Vou reproduzir a letra da música “Transpiração”, de Itamar Assumpção - Alzira Espíndola, cantada por Ney Matogrosso, porque ela é muito bela e não merece ser parafraseada:


A inspiração vem de onde/ Pergunta pra mim alguém/ Respondo talvez de longe/ De avião, barco ou ponte/Vem com meu bem de Belém/ Vem com você nesse trem/Nas entrelinhas de um livro/ Da morte de um ser vivo/Das veias de um coração/ Vem de um gesto preciso/Vem de um amor, vem do riso/ Vem por alguma razão/Vem pelo sim, pelo não/ Vem pelo mar gaivota/Vem pelos bichos da mata/ Vem lá do céu, vem do chão/Vem da medida exata/ Vem dentro da tua carta/Vem do Azerbaijão/ Vem pela transpiração/[...]/ Vem da tristeza, alegria/ Do canto da cotovia/Vem do luar do sertão/ Vem de uma noite fria/Vem olha só quem diria/ Vem pelo raio e trovão/
No beijo dessa paixão. [...]


E eu resumo: a inspiração vem da vida. A arte encanta com o frescor do olhar do artista, daquele jeito singular de ver o mundo, do estranhamento.


*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras. Atualmente é secretário da Cultura de Araçatuba.  





5 comentários:

Martinez disse...

intessante seu olhar sobre a inspiração

jhamiltonbrito.blogspot.com disse...

A minha inspiração vem de tantos desejos incontidos ( epa, isso na boca de alguém...) vem dos meus sonhos que se perderam no ralo do tempo ( brega demais)...vem de não ter acompanhado a mudança daqueles cabelos pretos,para brancos ou por não ter visto aquelas ruguinhas se formarem no rosto dela ( tá bravo, é?) ...cacete, não sei de onde vem.

Patrícia Bracale disse...

DIZ QUE INSPIRAÇÃO É O PENSAMENTO PRIMEIRO.
AS VZS TBÉM O MAIS CERTO SEGUIR...
BJOS

Samuel disse...

De fato, se preocupar em como escrever e o que escrever atrapalha um pouco. Quando faço uma música e às vezes paro pra pensar, normalmente não sai mais nada; se escrevo de uma vez fica legal.

Cecilia Ferreira disse...

Inspiração é encontrar uma forma diferente de dizer o que está diante dos olhos, mas não se enxerga ou não se "quis" ver.