AGENDA CULTURAL

10.5.12

Vida alheia



Hélio Consolaro*
 Cidinha Baracat, professora, entrega diploma de normalista ao Consa

Há gente que faz a sua vida social indo a casamentos, velórios e batizados. Não é o meu caso, mas se houve alguma proximidade entre mim e o morto, estarei visitando rapidamente a capela funerária. Não condeno quem conta piadas em vigília de defunto, porque a vida é um grande circo.

Noutro dia, eu estava num velório, única oportunidade para encontrar  parentes mais distantes. E avistei um sujeito de longe que parecia o Dema, que não via há muito tempo, mas não tive coragem de me aproximar e perguntar:

- Você é o Dema?

No momento, levantei a hipótese de o Dema ter morrido.

Se não for ele e ainda me responder:

- O Dema morreu há muito tempo!     

Estava muito novo para ser ele. Como nossos pensamentos voam nesses momentos de quietude, fiquei a fazer filosofia barata. Que diferença faria se ele havia morrido ou não?

Afinal, ele sumira de minha vida, nunca me interessei por ele. Era apenas uma referência de infância. Filho do dono da venda da curva daquela estrada infinita para um garoto que ia e voltava a pé para escola, 10 km de caminhada, sem transporte escolar. E ainda levava nas costas compras num saco, feitas no  Empório Aviação.  Eu tinha oito anos nessa época.

Era um risco, porque a maldade existia também naqueles idos tempos. Era menor, porque o mundo também era menor, mas pela estrada eu passava por muitas cruzes, quase todas sinalizavam locais de assassinatos.

Voltando ao presente, pois hoje o menino tabaréu é avô. Outro dia, meu neto fez uma façanha. Com a mesma idade (oito anos), saiu de sua casa a pé (há 10 de quarteirões de casa) e veio nos visitar, todo alegre pelo feito:

- Eu vim sozinho, vô!

A mãe telefonou quando saiu, e a avó ligou quando ele chegou. Cheias de zelo.

Ele já vai fazer pequenas compras no supermercado, sozinho. Isso de tanto eu dizer:

- Solta esse moleque, você está criando um frango de granja!  

Voltemos ao passado. Eu só saí da escola em final de 2008, 51 anos de vida escolar. Gostei tanto da escola que me meti a ser professor. E o Dema continuou a sua de filho do Seu Joaquim,  status invejável para mim, um tabaréu cuja única riqueza era a vontade de estudar.

Nem sei, caro leitor, se devo-lhe contar essas coisas, mas sei que os mais idosos irão se identificar com minha história. E é por isso que vimos filmes, novelas, lemos romances, contos. Procuramo-nos na história dos outros, mesmo que ela seja ficção. Sabemos que o filme é “de mentirinha”, mas roemos a unha e choramos diante da tela.

O cronista é um sujeito tinhoso. Ia falar do Dema, acabei falando de mim. Seria ego exagerado? Ou a vida dos humanos é mesmo parecida? Seja lá qual for a resposta, eu me alivio e você, caro leitor, pensa um pouco em sua vida. Praticamos a psicoterapia.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Atualmente é secretário de Cultura de Araçatuba-SP

3 comentários:

HAMILTON BRITO... disse...

Uai, onde foi, em que escola? Na primeira turma formada no José Cândido,ela foi nossa professora e paraninfa da turma. Grande festa de formatura, com orquestra vinda de São Paulo...acho que Harley e sua Orquestra.
Grande Dona Cidinha.

jose edson bonfim disse...

Realmente Hélio; eu e os que tem a oportunidade de serem agraciados com as suas crônicas, as vezes nos envolvemos de tal maneira nas mesmas, que acabamos por fazer uma viagem no tempo e sem querer nos identificamos com algumas passagens.
Um abraço.
Bonfim

NATAL LUIZ SBRANA disse...

amigo heli; neste estágio da vida, recordar é viver, e como é salutar encontrar pessoas que jamais o tempo irá apagar de nossas lembranças.A pouco (fev/12) morreu a minha professora de catequismo.Quanta tristeza pude sentir e sinto a perda da querida APPARECIDA NUNES FAKIH.