AGENDA CULTURAL

20.7.12

Há prefeitos mais (ou menos) perfeitos...


Ladislau Dowbor
Ladislau Dowbor*

O que é ser prefeito? Na visão tradicio­nal, tratava-se de um tipo de síndico da cidade, que asse­gurava que o nosso lixo fosse reti­rado em tempo, que a fonte lumi­nosa na praça funcionasse, que os bancos de praça estivessem limpos e acolhedores para os namoros pre­guiçosos do entardecer. A função de prefeito, na realidade, podia se re­sumir à cosmética urbana.
O relativo sossego destes tempos foi transtornado. Se antes o grosso da população vivia na área rural, cuidando de si mesmo, enquanto as cidades eram basica­mente povoadas por camadas mais prósperas, com a expulsão das populações do campo - resul­tado desta estranha mistura de ve­lhos latifúndios e de novas tecnologias - as cidades se viram cercadas de amplas periferias ca­recendo de infra-estruturas, de emprego, de serviços sociais.
Entraram assim na ordem do dia as políticas de saneamento bá­sico, de serviços essenciais, de cons­trução de escolas. No campo, uma família resolve os seus próprios pro­blemas de lixo, de água, de combus­tível, de alimentação. Com a urba­nização acelerada, as famílias pas­saram a necessitar de redes de ener­gia, telecomunicações, água, ruas e transporte. O consumo individual foi substituído em grande parte por consumo coletivo, e gerou-se assim a necessidade do prefeito “empre­endedor”, que constrói, organiza. E tomou-se importante a opção polí­tica do prefeito: há os que passaram a proteger os núcleos urbanos anti­gos, os bairros prósperos, da “barbárie” da pobreza. E há os pre­feitos responsáveis (minoria, infeliz­mente) que entenderam que a úni­ca forma de ter cidades com quali­dade de vida seria investir no lado pobre, para equilibrar a cidade. Criou-se a figura do prefeito preo­cupado com o social, com a inver­são de prioridades.
Outro processo veio pertur­bar o cenário: com a abertura eco­nômica, as novas tecnologias de co­municação e informação, e a globa­lização generalizada das atividades econômicas, chegaram novos desa­fios, pois não adianta fazer uma política social se não há empregos, e não haverá empregos se não hou­ver uma política de desenvolvimen­to. De certa forma, o universo do prefeito ganhou nova complexida­de: é necessário, além da cosmética urbana, do social e das infra-estru­turas, tornar a cidade atraente para atividades econômicas, formar e requalificar a mão-de-obra, articu­lar interesses diversificados.
Passa-se a compreender que a cidade não é um simples univer­so polarizado de ricos e pobres, e menos ainda um universo horizon­tal de cidadãos, mas uma estrutura complexa de interesses comerciais e financeiros, patronais e sindicais, rurais e urbanos, diversificadøs se­gundo os bairros, segundo os seg­mentos sociais, segundo a inserção ou exclusão, relativamente aos pro­cessos produtivos.
E surge o estilo correspon­dente de prefeito. Não é mais o grande técnico (chegou-se a falar de “gerente de cidade”, figura im­portada das propostas norte-ame­ricanas dos anos 1920), e sim o articulador dos chamados “atores sociais”, pessoa com visão social aberta, conhecedora de formas mais democráticas de gestão participativa (transparência finan­ceira, orçamento participativo e outras iniciativas), atenta às ino­vações urbanas que surgem em di­versas partes do planeta - parce­rias entre a administração públi­ca, as empresas e o terceiro setor, por exemplo - promotora de ar­ticulações inovadoras (consórcios intermunicipais de saúde, etc.)’ dinamizadora do capital social (conselhos de saúde ou de educa­ção, conselhos municipais de de­senvolvimento). Em suma, um organizador político onde o polí­tico já não se reduz ao partidário. Trata-se de gerir de forma integra­da uma realidade sócio-econômi­ca complexa e dinâmica.
E para completar esta tipo­logia de prefeitos, resta o dinos­sauro. Ele estufa o peito e bate com força para proclamar que vai acabar com a criminalidade na marra, que vai prender os marajás, que vai reconstruir toda a cidade gerando inúmeros empregos, e assim por diante. Na prática, o modelo básico de gestão dos dinossauros consiste na constru­ção de grandes obras muito visí­veis, que se inauguram com pom­pa. O esquema é simples, e nada melhor do que um exemplo. A canalização de um córrego vai cus­tar R$ 180 milhões. Sete grandes empreiteiras se reúnem em torno de um cafezinho. Lembram-se de quem fez o último viaduto ou o
último túnel, e atribuem a obra a quem é da vez. Este informa aos seus colegas, por exemplo, que vai cobrar R$ 600 milhões. No dia da licitação, há sete envelopes lacrados. Os sucessivos envelopes, uma vez abertos, apresentam propostas muito caras, de R$ 700 ou R$ 800 milhões. Até que aparece a mais barata, de R$ 600 milhões, por acaso. Esta proposta ganha, o que é ótimo para o município.
Como o custo real é da or­dem de R$ 180 milhões, R$ 420 milhões serão distribuídos entre amigos, advogados, empreiteiras, jornais ou televisões locais. Uma parte significativa será guardada, naturalmente, para assegurar a elei­ção seguinte. E tudo é rigorosamen­te legal, pois são as leis de merca­do e ganhou a melhor proposta.
Forma-se assim a quadrilha, que reúne o político corrupto, as empreiteiras, a mídía e o Judiciá­rio coniventes. Segundo muitos prefeitos, a fórmula é imbatível. O essencial é ter um prefeito que sai­ba bem estufar o peito e grite bem alto contra os ladrões. E é preciso ter, também, uma população as­sustada e mal-informada. O “sau­doso” Al Capone já aconselhava aos seus amigos: “Para que roubar, se há tantas maneiras legais de ser desonesto?”

*Ladislau Dowbor é professor titular da PUC de São Paulo e da Universidade Metodista de São Paulo, ex-secretário de Negócios Extraordinários da Prefeitura paulistana e consultor de diversas agências da ONU.


Nenhum comentário: