AGENDA CULTURAL

12.7.12

Palavras de Cora Coralina


A VELHA RAPSODA*

Entrevista de Cora Coralina à Dalila Teles Veras

A “Intelectual do Ano” que, no próximo dia 20 [20/10/1984]estará recebendo o Troféu Juca Pato, fala da láurea e de sua poesia
 Fala de longe a velha rapsoda. (Cora Coralina, “Sou raiz”)

Aqui estou, engasgada, abraçando esta pequena e frágil criatura que já viveu quase um século, de mãos incrivelmente marcadas pelo tempo, mas de um olhar  vivíssimo e sábio, de voz firme e pausada, cada palavra parecendo ser degustada como quem experimenta um dos famosos doces, como quem pesa para colocá-la num poema, no verso mais adequado.

Pela segunda vez encontro-me com Cora coralina. Na primeira, descompromissadamente, levava-lhe um poema que fiz em sua homenagem. Desta vez, acorrendo a um chamado seu feito através de sua neta Maria Luísa, na casa da qual costuma hospedar-se em São Paulo, e que, nos últimos tempos, vem organizando os compromissos e a agenda da escritora. Queria saber “coisas do Juca Pato”, quem foram seus eleitores, de que Estados tinham vindo os 430 votos que a elegeram “Intelectual do Ano”.
      
      Não resisto à tentação de registrar – com exclusividade, já que sua generosidade assim o permite – as impressões da primeira mulher a receber o título de “Intelectual do Ano” – Troféu Juca Pato, láurea que há 22 anos é outorgada pela União Brasileira de Escritores e conta com o patrocínio da “Folha”, e que tem premiado os maiores nomes das letras nacionais.

- O que significa para você, como mulher e como poeta, o título de “Intelectual do Ano”?
- Esta vitória tem pra mim o significado de uma consagração de todo meu País, que se movimentou para isso, e aqui vamos contar, além dos eleitores, também os torcedores. Foi o máximo que eu podia esperar no fim de minha vida literária. Estou radiante porque reconheço os valores de meus companheiros que pleitearam comigo a posse do Troféu. Agradeço de todo coração a votação que veio dos Estados  mais longínquos, como Ceará, Amazonas, Acre, Piauí e outros. Significa também a vitória da mulher, que sai do seu apagamento e vem competir com os homens, levando a palma da vitória.

-Cora, qual a sua definição de intelectual?
- Intelectual, homem ou mulher, é aquela pessoa dotada de maior sensibilidade para aprender os lados da vida que parece destituídos de menor valor e que os vai traduzindo numa linguagem poética, literária, exaltando aquela outra face que escapa aos demais.
Mudaram os padrões ou os intelectuais, eu me pergunto? Por que então Cora? Por que esta simples mulher, que sempre cantou sua pequena aldeia, no interior do Brasil? Por que uma poeta, e mulher? Seria pelo fato de ter vivido 95 anos, pela sua fragilidade física e simpatia comovedoras que tantos escritores de todo o Brasil mandaram seu voto para Elegê-la “Intelectual do Ano”? Não, não creio. Esta singular escritora, de sensibilidade e perspicácia invulgares, Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal de Goiás sem nunca ter freqüentado os bancos de uma Universidade, não pode ser enquadrada nos padrões convencionais deste nosso século. Cora “traz consigo todas as idades” e toda poesia possível, em seu estado mais verdadeiro, brotando dos mais fundos rincões da vida.

- Cora, sabemos que você editou seu primeiro livro aos 65 anos. A poesia aconteceu com mais intensidade antes ou após a publicação em livro?
- Na verdade, a publicação de meu primeiro livro pela José Olympio trouxe pra mim maior estímulo.

- Você declarou numa entrevista que hoje o jovem publica muito facilmente; mas então admite que a publicação estimula o escritor?
- Estimula a escrever mais e melhor, pois a maior dificuldade de um escritor, o maior desafio, é escrever bem.

- E a crítica, como você a encara?
- Desde que construtiva, estimula constantemente. Talvez mais do que a própria publicação, porque a crítica chama a atenção para o autor e, sobretudo, mostra erros e falhas.
Quem leu seus livros e sentiu a tremenda força telúrica que Cora transmite através de sua palavra poética, sabe que ela dá a cada palavra, aparentemente (e só aparentemente) simples, o seu peso justo e insubstituível, com a segurança e habilidade de quem há muito aprendeu a lidar com ela.

Nem historiadora
Nem memorialista

- E o próximo livro?
- Estórias (não vá esquecer que é sem “h”, minha menina) da Casa Velha da Ponte. São crônicas memoriais da minha Cidade. Verdades e mentiras, porque não sou historiadora nem memorialista, apenas e sempre a estória do cotidiano. O cotidiano passado e a sua importância.
            Aqui, a neta Maria Luísa me cochicha que Cora vem trabalhando arduamente nesse livro, refazendo o que não gosta, com a calma e a tranqüilidade de quem age como se o tempo não existisse, importando somente o fazer agora. Há pouco tempo, encontrando-se acamada, ela pilheriou com o médico pedindo-lhe que a tratasse bem, pois não podia morrer agora, porque tinha que acabar o novo livro. Foi então que nos lembramos de perguntar-lhe se tinha medo da morte.
- Não, em absoluto. Não acho que ser velho signifique morrer antes dos demais. Idade não significa exatamente morte. Há uma passagem bíblica que diz: “Na casa de meu Pai há muitas moradas”. Vamos ver como serão essas outras.
            Nem por um momento Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretãs (Cora Coralina – “coração vermelho” -, como prefere ser chamada – “Vaidade... Havia Anãs demais em minha cidade”) faz menção de interromper o bate-papo, e então me animo a prosseguir.

- Você tem vindo muito a São Paulo nos últimos anos. Esta São Paulo de hoje tem inspirado muito a sua poesia?
- Na minha obra, estou muito voltada para o passado de minha cidade, o meu meio familiar e social, o meio humano. Minha cidade que, apesar de pequena, sem grandes concentrações culturais, contém um mundo de recordações, que se prendem à minha infância e adolescência e que eu retrato nos meus livros. Só algua coisa de São Paulo, apesar da grande saga que o Estado oferece. A minha força tribal, as minhas raízes, estão na minha cidade de Goiás Velho. Já a parte rural de meus livros é de São Paulo, do tempo que passei no interior, voltada para as coisas da terra. Essa parte devo a São Paulo.

- Cora, o que você diz do comparecimento maciço dos escritores goianos na votação do Juca Pato?
- É o reconhecimento do meu Estado, e seria incrível que lês deixassem de prestigiar um elemento seu quando todos os outros Estados disseram presente.

- Mas, você soube que o Secretário de Cultura de Goiás votou em Geraldo Mello Mourão?
- Eu soube também que ele tomou umas boas ripadas por isso.

Para finalizar, Cora quem é que você gostaria que estivesse presente à entrega do Juca Pato?
- Os meus parentes, a minha gente, a da velha Goiás, onde nasci e que até agora não me enviou nenhuma manifestação. Lá tem uma Câmara, uma Prefeitura, uma Estação de Rádio. Olha eu estou falando da cidade de Goiás Velho, não do Estado, que é outra coisa! Gostaria também de ver na noite da entrega, todos aqueles que me distinguiram com seus votos, vindos de tão longe.

             Está na hora da velha guerreira dos goiases descansar. Está na hora da doutora, poeta, tão tardiamente aclamada e festejada, recolher-se, recobrar energias para mais um dia, não importa de que tempo for.
Ana-Cora levanta-se, cansada  mas não vencida, apanha as muletas (precisa delas há alguns anos, após ter fraturado um fêmur, e a elas  já dedicou uma ode) recusando a ajuda da neta que esboça um gesto: “ não quero criar dependências”.


- FOLHETIM, Folha de São Paulo, 10 de junho de 1984 -






2 comentários:

Anônimo disse...

cora coralina e um exemplo de mulher simplicidade e poesia, nos dar prazer em ler.

Anônimo disse...

Obrigado pelo post útil! Eu não teria chegado a este o contrário!