Existem livros que parecem ser mais comentados do que lidos. É o caso, por exemplo, de Ulisses,
romance do escritor irlandês James Joyce. Publicada em 1922, a obra
revolucionou a literatura do século passado, sendo até hoje referência
para diversos autores. Sua importância e seu impacto o alçaram ao
status de mito, e é comum ver pessoas referindo-se a ele mesmo sem
conhecê-lo plenamente. A poesia, se fosse um livro apenas, poderia ser
comparada ao efeito de Ulisses.
Embora esteja presente há milênios em todos os lugares, não é novidade
alguma para quem transita no meio editorial – ou mesmo para quem o
acompanha à distância – que o gênero é pouco vendido e colocado de lado
por editores e livreiros. De acordo com a terceira edição da pesquisa
Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro em
2011 e cujos resultados foram divulgados em março deste ano, a poesia
está em sétimo lugar no ranking de preferência dos leitores.
Mas
é também neste ano que tal gênero parece respirar novos e bons ares,
tanto de popularidade como de recepção dentro das editoras, que não só
iniciaram o processo de reedição das obras de nomes clássicos, como
Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Cecília Meireles e Mario
Quintana, como aumentaram suas apostas em autores contemporâneos já
conhecidos, como Fabrício Corsaletti, Paulo Henriques Britto, Ana
Martins Marques e Antonio Cicero.
Mas
por que a poesia, que aparentemente é tão popular, é menos lida do que
o romance e até mesmo do que o conto, gêneros que, teoricamente,
exigem mais tempo do leitor? O crítico e poeta Antonio Brasileiro, que
recentemente teve reeditado o seu volume de ensaios Da inutilidade da poesia e publicou a coletânea de poemas Desta varanda,
diz que, “de modo geral, romances são mais fáceis de ler. Mas o que
penso é que os verdadeiros poetas são bem poucos. E o que acontece? Uma
grande quantidade de pessoas publica poesia sem ter uma real vocação.
Essas pessoas julgam erroneamente a poesia, embora sejam, muitas delas,
bem intencionadas. Daí a quantidade de livros que, na verdade, não são
poesia – e, desse modo, não conseguem atrair os leitores. E aí vai
todo mundo pro brejo, bons e maus poetas são desprezados”.
RETRATO PROMISSOR
O
editor Leandro Sarmatz, que cuida da reedição da obra de Drummond,
expressa opinião otimista com relação ao espaço da poesia no mercado.
“A poesia pode até ser considerada o ‘patinho feio’ em termos de
divulgação e mercado, mas ela não está em maus lençóis. Se bem
produzidos (como livro, como produto editorial), ou bem traduzidos, e
bem trabalhados pelas próprias editoras, os livros contam com um
público fiel e numeroso. Claro, é gênero de multidinhas, não de
multidões. Mesmo assim, as vendas de bons livros de poesia são
constantes, atravessam os anos.”
O
catalisador, se assim podemos chamar, dessa movimentação do nosso
mercado editorial em torno da poesia brasileira parece ter sido as
reedições bem-sucedidas das obras de grandes poetas, como João Cabral
de Melo Neto e Vinicius de Moraes, iniciadas respectivamente em 2007 e
2008 por duas das maiores editoras que atuam no Brasil. Para Sarmatz, o
aumento de vendas e a divulgação se devem principalmente a dois
fatores: “A qualidade imensa de uma produção que atravessou o século 20
e veio, até hoje, influenciando sucessivas gerações de autores e
marcando a vida dos leitores; e ao papel da escola – e das adoções
escolares – na perpetuação desses grandes nomes”.
Todavia,
o poeta e filósofo Antonio Cicero, um dos mais elogiados escritores
brasileiros em atividade, critica o fato de não serem formados leitores
de poesia nas escolas. “O fato é que a poesia escrita sempre teve
ardentes e fieis, porém poucos, leitores. Não se aprende a ler poesia,
digo ler para dentro, não para fora, nas escolas brasileiras, o que é
lamentável”, reforça ele, que foi um dos convidados da última edição da
Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, e aproveitou a
ocasião para lançar Porventura,
seu mais recente livro de poesia. Mas o que seria ler para dentro? “O
poema tem que ser lido e relido. O leitor do poema deve entrar na
temporalidade do poema, deixando que interajam uns com os outros, no
tempo que para tanto se fizer necessário, todos os recursos de que
dispõe: intelecto, experiência, emoção, sensibilidade, sensualidade,
intuição, senso de humor, memória etc.”
Para
alguns estudiosos, os próprios escritores brasileiros teriam parcela
de culpa pela não formação de um público leitor no país. Um exemplo
para reverter esse quadro foi o manifesto a favor de uma literatura de
entretenimento brasileira, divulgado em 2010 e assinado por escritores e
editores como Lucia Bettencourt, Angela Dutra de Menezes, Celina
Portocarrero, Luis Eduardo Matta, Felipe Pena, Tomaz Adour, Barbara
Cassará, Halime Musser, Ana Cristina Mello e Marcela Ávila. Afirmando
estar “preocupados com a formação de leitores assíduos e frequentes para
a ficção brasileira”, os signatários do chamado “Manifesto Silvestre”
afirmam: “Os academicismos, jogos de linguagem e experimentalismos
vazios não nos interessam. Respeitamos a produção que segue estes
parâmetros, mas nosso caminho é inverso”. Uma preocupação
compreensível, haja vista o alto índice de analfabetismo funcional
entre os estudantes brasileiros. De acordo com estudo divulgado pelo
Instituto Paulo Montenegro em julho deste ano, apenas 35% dos
estudantes do ensino médio do país têm o nível pleno de alfabetização.
Mas
nem uma coisa – o experimentalismo de alguns autores – nem outra – o
baixo número de leitores bem capacitados – deve ser empecilho para os
escritores, principalmente os poetas. “É claro que há uma poesia para
poetas”, diz o editor Leandro Sarmatz, “assim como há um tipo de
romance para romancistas. Uma produção mais arcana, mas elusiva, de
experimentação – fundamental para a literatura, mas que, claro, não
encontra grande eco junto a um público maior”. Porém, continua, “os bons
poetas contemporâneos brasileiros – como Eucanaã Ferraz, Carlito
Azevedo, Francisco Alvim, Armando Freitas Filho, Angélica Freitas,
Antonio Cicero e muitos outros – são bem lidos e conseguem atravessar
essa fronteira do experimental e pouco acessível sem, no entanto,
baratear um centímetro de suas exigências estéticas”.
Mas
o fato é que, mesmo com todas as dificuldades relacionadas à leitura
que o nosso país apresenta, o panorama se mostra animador. E é com
otimismo que Ivan Junqueira, poeta, tradutor e crítico literário,
membro da Academia Brasileira de Letras, vê essa espécie de retomada do
gênero que, segundo ele, tende a ser consolidada nos próximos anos.
“Não me parece tratar-se de moda, mas de uma aposta editorial não
apenas na divulgação de nossos grandes poetas, mas também num
indiscutível aumento de interesse dos leitores, o que é extremamente
benéfico para um conhecimento mais amplo de nossa melhor poesia.
Ademais, é preciso entender que, quanto mais o mundo se torna
materialista, mais necessária se faz a poesia.”
4 comentários:
Peço licença para discordar dos argumentos do sr. Antônio Brasileiro acerca dos níveis pífios de vendagem do gênero Poesia.
Comparo a Poesia circunscrita nos limites da literatura ao jazz. Gênero musical requintado, do agrado de pessoas dotadas de ouvidos refinados entretanto, um gênero de vendas modestas.
Por motivos óbvios nunca veremos a Poesia na lista dos mais vendidos, assim como jamais veremos um single jazistico no hit parade...
Cobro aqui meu tempo,por ter lido, ambos, texto e comentário. Concordo com Aroldo, e acrescento
a poesia difere das letras de música, como acontece na atualidade no campo musical, naõ existe mais letras, melodias etc, existe lixo.E na poesia para quem entende,não se aceita verborragia!
DeDêCamillo
porra é foda ser leigo nisto aqui, quero publicar meu comentário e nao consigo
mas quero publicar com meu nome e naõ anônimo, como agora apareceu a mensagem de que foi aceito meu desabafo.
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