Hélio Consolaro*
Cruzeiro já foi nossa moeda. No antigo grupo escolar, eu
usava-o para comprar sorvete, picolés. Vendia frutas, lombadas durante uma
caminhada de 5 km em estradas de areal, para vendê-las às outras crianças. Com
esse dinheiro, satisfazia meus desejos. Apesar desse início, não virei
comerciante.
Recentemente fiz um cruzeiro, agora, no sentido de viagem de
navio na costa brasileira. Um hotel de 14 andares que saiu do Porto de Santos e
foi parando em cada ponto turístico, como: Búzios, Salvador, Ilhéus, Ilha
Grande. Apesar de tudo ser pago a
prestação, desde o começo do ano, nem lembrava que era pobre.
Lugar maravilhoso,
cheio de requinte, com layout de shopping center. Recinto móvel, lindo
para qualquer cidadão à procura de glamour, mas tudo pago em dólar. Era um
ranger de dentes nas conversas. Muito sanduíche e pouco peru.
O Brasil já teve vários navios de passageiros até a década
de 70. Foram os famosos ITAs, fonte de inspiração para a canção de Mário
Borriello: " Peguei um Ita no norte...." . Também tivemos os navios
Ana Nery, Rosa da Fonseca, Princesa Isabel e Princesa Leopoldina. Agora, quem
faz tudo isso são navios estrangeiros.
Daí cobrarem tudo em dólar, pois uma hora estão na costa
brasileira, outra hora, europeia, assim, tendo apenas uma moeda e tudo escrito
em inglês, ficam mais versáteis. Qualquer lugar é lugar.
Lata de cerveja a U$ 3. Não víamos a hora de o navio parar
num porto brasileiro, pegar uma praia para pagá-la a R$ 3,00. Voltávamos bêbados para a embarcação de tanta
felicidade. Com dólar nesse preço, não havia quem defendesse a presidenta
Dilma, nem eu.
Viver em solenidades é uma delícia, ruim mesmo é levar o
ramerrão de cada dia, administrar os conflitos, é nele que a gente junta os
tostões para realizar os sonhos. Nascer tem o seu preço.
Na verdade, caro leitor, o roteiro não me era o atrativo, já
havia passado por eles noutras excursões por vias terrestres, mas queria sentir
como era a viagem de navio, como era esse negócio de cruzeiro. Assim, o Consa
terminou janeiro com os bolsos furados. Pobre faz cada besteira...
Apesar dos apertos financeiros, gostoso mesmo é ter o que
contar numa roda de amigos, promover aquela inveja ou encontrar quem viveu as
mesmas experiências. Assim caminha a humanidade, assim levo o meu cotidiano.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor.
Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP
Crônica "Estive no Titanic", de Hélio Consolaro
Crônica "Estive no Titanic", de Hélio Consolaro
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