AGENDA CULTURAL

22.1.16

Cruzeiro em dólares

Hélio Consolaro*

Cruzeiro já foi nossa moeda. No antigo grupo escolar, eu usava-o para comprar sorvete, picolés. Vendia frutas, lombadas durante uma caminhada de 5 km em estradas de areal, para vendê-las às outras crianças. Com esse dinheiro, satisfazia meus desejos. Apesar desse início, não virei comerciante.

Recentemente fiz um cruzeiro, agora, no sentido de viagem de navio na costa brasileira. Um hotel de 14 andares que saiu do Porto de Santos e foi parando em cada ponto turístico, como: Búzios, Salvador, Ilhéus, Ilha Grande.  Apesar de tudo ser pago a prestação, desde o começo do ano, nem lembrava que era pobre.

Lugar maravilhoso,  cheio de requinte, com layout de shopping center. Recinto móvel, lindo para qualquer cidadão à procura de glamour, mas tudo pago em dólar. Era um ranger de dentes nas conversas. Muito sanduíche e pouco peru.

O Brasil já teve vários navios de passageiros até a década de 70. Foram os famosos ITAs, fonte de inspiração para a canção de Mário Borriello: " Peguei um Ita no norte...." . Também tivemos os navios Ana Nery, Rosa da Fonseca, Princesa Isabel e Princesa Leopoldina. Agora, quem faz tudo isso são navios estrangeiros.



Daí cobrarem tudo em dólar, pois uma hora estão na costa brasileira, outra hora, europeia, assim, tendo apenas uma moeda e tudo escrito em inglês, ficam mais versáteis. Qualquer lugar é lugar.

Lata de cerveja a U$ 3. Não víamos a hora de o navio parar num porto brasileiro, pegar uma praia para pagá-la a R$ 3,00.  Voltávamos bêbados para a embarcação de tanta felicidade. Com dólar nesse preço, não havia quem defendesse a presidenta Dilma, nem eu.

Viver em solenidades é uma delícia, ruim mesmo é levar o ramerrão de cada dia, administrar os conflitos, é nele que a gente junta os tostões para realizar os sonhos. Nascer tem o seu preço.

Na verdade, caro leitor, o roteiro não me era o atrativo, já havia passado por eles noutras excursões por vias terrestres, mas queria sentir como era a viagem de navio, como era esse negócio de cruzeiro. Assim, o Consa terminou janeiro com os bolsos furados. Pobre faz cada besteira...

Apesar dos apertos financeiros, gostoso mesmo é ter o que contar numa roda de amigos, promover aquela inveja ou encontrar quem viveu as mesmas experiências. Assim caminha a humanidade, assim levo o meu cotidiano.


*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP

Crônica "Estive no Titanic", de Hélio Consolaro

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