AGENDA CULTURAL

24.3.17

Boné na casa do chapéu

 
Hélio Consolaro*

Sem estar esperando alguém, a campainha de minha casa tocou durante o dia de ontem, era uma voz masculina. Pelo interfone, cumprimentei-o e solicitei com quem queria falar. 

Ele respondeu:

- O sol está muito quente e eu preciso de um boné.

E ontem não foi um dia tão ensolarado. Não quis vender nenhum produto, não pediu alimento, queria mesmo um boné. Bateu campainha na casa de um sujeito que usa chapéu para pedir um boné. Nem sei se sabia desta particularidade. 

Podia ser alguma brincadeira de alguém. Se fosse um chapéu, teria um para lhe passar, mas ele quis um boné.

Respondi-lhe:

- Já vou!, sem abrir o portão. 

Tenho o coração meio mole, mas não sou trouxa. Eu me lembrei de um boné dependurado atrás da porta de meu escritório, brinde de um advogado de causas previdenciárias, Idalino Almeida Moura. Peguei-o e fui para o alpendre da casa com ele na mão.

- Boa-tarde!

- Boa-tarde!

Sujeito bem apessoado, meia idade, sem nenhum traço de mendicância, com a careca exposta, mas foi pedir um boné na casa do chapéu.

- Então, caminho a pé e a careca está precisando de uma proteção.

Pediu assim na cara dura como se fosse executar um serviço para mim, como se fosse minha obrigação socorrer a sua necessidade. Não deu nenhuma dica que me conhecesse.

- Segura aí!

Joguei-lhe o boné por cima da grade. Não me senti seguro para abrir o portão. Ele pegou o boné e saiu caminhando com a cabeça coberta. 

Podia ser uma brincadeira de um amigo, a armadilha de um inimigo. Ele esperava receber um boné de propaganda política e aí faria um escândalo. Sabe-se lá! 

Na verdade, o meu medo e minha desconfiança me afastou daquele homem; não puxei conversa com ele, não lhe pedi se estava mesmo querendo um chapéu... Desumanidades de nossa vida moderna.

Afinal, se saiu bem. Ele visitou a casa do chapéu e saiu com um boné na cabeça.   

*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras.

Nenhum comentário: