AGENDA CULTURAL

21.4.18

Literatura e rock and roll

Hélio Consolaro*

Ao findar a leitura do livro "Só garotos", de Patti Smith, da TAG Experiências Literárias, me pus a pensar no seu conteúdo e vou escrever aqui sem me preocupar com o fazer literário, porque, bem no estilo norte-americano, trata-se de um biografia (melhor, autobiografia) de um ídolo da Geração Beat, que dominou o país no pós-guerra, foi um grito de rebeldia, era o rock and roll.

Minha geração só aprendeu inglês na escola regular, éramos nacionalistas, xenófobos, principalmente em relação aos Estados Unidos da América. Então, conheço pouco da cultura norte-americana, pelos livros estou fazendo uma recuperação intensiva. Como disse a resenhista "Artista Indecisa" em seu canal do YouTube, se já tivesse morado em Nova York, talvez teria entendido melhor o livro.

Patti Smith queria ser poetisa, mas acabou sendo mais conhecida como roqueira. Mas há incompatibilidade entre poesia e rock? A música, no caso dela, foi o veículo de seus poemas, as letras de música. Há gente de nossa geração e os mais novos que se surpreendem quando sabem que ela publicou livros.

Por que o título do livro é "Só garotos"? Um casal de velhos andava pela Whashington Square. Patty e Robert perambulavam pelo espaço onde havia uma manifestação com distribuição de panfletos. Num certo momento, os casais se cruzaram, o homem do casal mais velho encarou os dois jovens vestidos de forma beatnik (psicodélica, exótica), e a mulher quis até registrá-los em foto, pensando ser artistas. Então, o velho puxou a companheira e disse: "Ora, vamos, são só garotos". E a foto não foi registrada. 

Essa fala e a atitude do casal adulto revelam que não acreditaram no que viam, pois os dois seriam mesmo grandes artistas norte-americanos, uma nova onda estava chegando; uma certa concepção de arte. Contestando tudo, nadando contra a maré, e por elas os garotos foram longe. 

Patti Smith foi chamada de comunista nos Estados Unidos da América porque vivia buscando inspirações nos poetas franceses  Arthur Rimbaud, Charles Baudelaire e Jean Genet. Ela era apaixonada por Paris, fazendo sacrifícios econômicos foi lá pela primeira vez à capital da França e subsequentemente várias vezes. 

Numa dessas viagens, solicitando informações para uma mulher francesa sobre os três poetas, e percebendo que Patti era norte-americana, deu-lhe uma resposta mal-educada que revela que os franceses gostam de pôr fronteiras na poesia, ideológicas e geográficas: por que você não se interessa por poetas americanos, você não é de lá?

Robert morreu em 1989, Patti (1946) ainda é viva. Até ler o livro, eu achava impossível um casal ter uma empatia tão grande, sendo possível viver bem a dois. Não estou com a sensação de que me casei com a mulher errada e que a minha tampa (ou caldeirão) anda infeliz por aí. Não sou adepto dessa sofrência romântica.

Lá em casa, depois de tantos anos de convivência, ainda não nos descobrimos, não nos esforçamos para isso. E vou mais longe, na vida real, a gente pode manter um relacionamento metafísico tão forte com uma pessoa, sem precisar de fazer sexo com ela (ou fazer sexo com outra). É bom esclarecer que não sou tão romântico quanto Robert e Patty. 

Já fui secretário municipal de Cultura de minha cidade por quase oito anos, sou escritor, portanto, artista. Sempre tratei bem os artistas na minha gestão, principalmente os mais rebeldes, mas confesso que eu os teria compreendido melhor se tivesse lido "Só garotos" naquela época, principalmente os roqueiros.

Patty Smith se aproximou de Bob Dylan em 1995. Em 2017, ela foi a Estocolmo representá-lo no recebimento do Prêmio Nobel de Literatura. Parece que ele quis mandar um recado para o júri do prêmio: no meu lugar quem devia ser premiada era Patti Smith, a representante literária da Geração Beat.

Meus agradecimentos à curadora Natália Polesso que indicou "Só garotos" para a  leitura dos associados da TAG.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

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Quem quiser ouvir as músicas citadas no livro, acesse a playlist  "Patti Smith - Just Kids" no Spotify - trabalho de Jefferson Neves Pereira

Fotos de Robert Mapplethorpe

Videoclips de Patti Smith 



Um comentário:

Emíla Goulart disse...

Sempre leio seus textos, principalmente as resenhas, elas acrescentam um pouco mais a minha pequena bagagem literária.