*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP
Há uma discussão insana e estéril sobre a existência da ditadura militar (1964-1985). Para quem não precisava de liberdade de expressão e de manifestação, apenas arroz e feijão, a ditadura foi uma beleza. Aliás, nem sabem direito se houve ou não ditadura. Houve até um período chamado de "milagre econômico", meio parecido com os anos de desenvolvimento de governos petistas.
Quem sentiu a ditadura militar na carne foram os jovens da classe média, o mundo estudantil, artistas, jornalistas. Os sindicatos de trabalhadores não se envolviam porque a economia ia bem. As greves dos metalúrgicos começaram em maio de 1978 sob a liderança do Lula.
As coisas só vão se esclarecer definitivamente quando não houver mais nenhum dos envolvidos vivos, quando se construirá o distanciamento histórico. A discussão "se houve ou não houve ditadura" é ainda eivada de questões ideológicas.
Embora eu fosse um imberbe em 1973, um jovem à procura de sua identidade, fui preso e processado pela Lei de Segurança Nacional aos 25 anos. Estudava na FUNEPE - Penápolis-SP. E fui detido em Rosana-SP, onde já lecionava, depois de formado.
Fui preso porque lia Jorge Amado, fui da direção do diretório acadêmico e conversava com membros do PCdoB às escondidas. Partido na clandestinidade.
Julgado pela Justiça Militar, fui absolvido. Até o julgamento, viajei quilômetros entre São Paulo e Rosana para se apresentar mensalmente no DEOPS.
Quem me pôs uma arma na mão foi o Exército Brasileiro, quando fiz o Tiro de Guerra em Araçatuba, 1967. Quando me casei, a Helena tinha uma Beretta. Ela se desfez dela a meu pedido.
Estive preso no lugar mais temido, na cidade de São Paulo, na unidade do DOI-CODI, antiga rua Tutoia, onde pessoas morriam de tanto ser torturadas, depois eram dadas como mortas nas ruas, sob a justificativa de tentar fugir. Como aconteceu com Alexandre Vannucchi Leme, escutei o seu último grito de dor de minha cela.
Chegaram a me dar choque, mas quando perceberam que eu era um militante do fim de linha, sossegaram. O professor Tito Damazo, que estava comigo, foi mais castigado. Nunca me posei de vítima, mas eu estive com militares graduados que eram torturadores, frequentei o inferno.
Como eu escrevi para um amigo: os mais ilustres propósitos não justificam a tortura e o assassinato em nenhuma situação. Ditadura é o domínio de um grupo sobre o outro pela força. Não é coisa de Deus, seja ela de direita ou de esquerda.
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