AGENDA CULTURAL

5.1.19

O velho só sabe ser só


*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Araçatuba-SP

Estou pegando o costume de conversar com pessoas isoladas em eventos públicos. Nem sei quem é, nome então... Quem tem um certo conhecimento público em sua cidade, nunca fica sozinho. Então, minha família foi curtir as brincadeiras, fui tomar uma cerveja com um velhote, companheiro de faixa etária.

- Boa-tarde! Posso ter o privilégio de sua companhia?

Quem já foi político não tem medo de conversar com ninguém, aliás, ninguém é estranho. E assim, conversa vai, conversa vem... O seu Everaldo tem 79 anos, aposentado, nível universitário de cuja profissão não exerceu, mora sozinho. Não largou a mulher, deixou a casa. Quem possui várias casas de aluguel tem essa opção. Chega a ter raiva dos filhos porque se parecem com a esposa. 

Conversamos sobre casas coletivas de idoso. Ele tem certo interesse, mas não dá o primeiro passo. Sugeri-lhe um ajuntamento com mulher de meia idade para ser mais uma cuidadora. A sua misoginia rejeita essa solução. Gosta mesmo é da relação negociada, remunerada, sem afetividade.    

- Cara, o sujeito me abandonou. A mulher mais nova na frente, bonita, rebolando. Nada. Não reage. Por que isso foi acontecer comigo?

E continuou:

- Elas só passam algumas horas comigo na minha casa, porque pago. E elas me fazem algum carinho para me lembrar que ainda existo.

- E o azulzinho? - perguntei-lhe.

- Não posso. Sou hipertenso, diabético. Toda desgraça baixou em mim. O médico me disse que é tomar e ele assinar o meu atestado de óbito.

Talvez o suicídio fosse a melhor saída para aquela criatura. Apenas pensei, caro leitor, longe de mim tal sugestão. Tudo deu errado na vida dele, apenas tem um bom salário para pagar as suas raparigas. Nem conta piada para forçar o riso. 

- E o computador? - indaguei.

- Nem passo perto. Só uso o celular para fazer ligação. Comprei o simplinho (e me mostrou a sua velha binga com teclado). Com esse me dou bem.

Continuou preenchendo sua comanda:

- Mande mais uma cerveja! - gritou para o garçom.  

Com tal perfil, nem precisei perguntar para quem votou na última eleição para presidente da República. Só queria do candidato uma coisa: a sua sexualidade de volta. Como ninguém lhe prometeu isso...

E fui! Inté! Até o próximo encontro. E me juntei aos meus.  

Um comentário:

Unknown disse...

Nesses tempos bicudos tá cada vez mais fácil encontrar esses tipos. Dia desses vi um que dialogada com a própria sombra sobre o balcão do bar. Virei, fui embora, e a sombra me acompanhou.