Carlos Botazzo*
Tem sido cada vez mais frequente aparecerem manifestações “mínions” sobre a natureza ideológica do nazismo e do fascismo. Longe de serem de extrema direita, agora afirma-se que foram movimentos de esquerda. Tais afirmações têm causado alguma perplexidade.
Como está na moda afirmar e não provar, ou citar e não dizer a fonte ou simplesmente dizer não importa o quê, caso explícito do professor Ernesto Araújo e seu mentor, resolvi buscar um pouco a fonte desta prosápia semântica. E a fonte está em Friedrich August von Hayek, o papa do neoliberalismo. Hayek, ao defender a antiga política do laissez-faire econômico, base do primitivo liberalismo de Herbert Spencer, inova na sua proposição e na sustentação da sua tese.
Ela se acha desenvolvida por completo em “O caminho da servidão”, editado em 1944. Antes Spencer advogava o liberalismo em termos mais ou menos biológicos ou sociobiológicos. Isto é, Spencer afirmava categoricamente que os homens deveriam dar conta da existência sozinhos e prover o sustento de sua família, moradia, vestuário, educação, recreação etc. sem ajuda do governo, e ainda formar um pecúlio para se sustentar na doença e na velhice.
Ao assim procederem, estariam purificando a “espécie” porque apenas os mais fortes sobreviveriam, os demais pereceriam, e chegou a afirmar que “um homem que não consegue prover o sustento de sua família e nem a si não tem o direito de permanecer vivo”.
Spencer resolve as brutais contradições do capitalismo no século 19 pela naturalização das desigualdades e da exploração capitalista. Seria parte da natureza [biológica] humana a capacidade de sobrevivência do mais apto, tanto quanto esta afirmação valeria para as demais espécies no espaço configurado pela seleção natural descrita por Darwin.
Em outras palavras, Spencer funda ou consolida o que posteriormente veio a se chamar de darwinismo sociológico. Em 1944, ainda em curso a Segunda Guerra, Hayek não tinha condições teóricas e nem políticas de invocar este argumento. E, pior, diante da barbárie já sabida dos campos de concentração na Alemanha e do desastre do fascismo italiano, Hayek precisava ser cauteloso nas suas formulações em defesa da liberdade do mercado e das relações produtivas em conjunto. E cauteloso o suficiente para nem de longe ser confundido com a defesa de um regime mundialmente odiado. À semelhança do nazismo, o problema político de Hayek é (também) com a União Soviética, ou, mais exatamente, com o socialismo.
E, dentro desta concepção, a ideia de planejamento. É a esta técnica de governo que Hayek dirige sua capacidade teórica. O planejamento mata a iniciativa dos indivíduos e mata a liberdade deles em agir, ele afirma. Planejamento equivale a socialismo e, portanto, ambos atentam contra a liberdade individual. O Estado que planeja, ao matar a iniciativa dos indivíduos, torna-se a um só tempo provedor de todas as necessidades de subsistência da sociedade. E nisto reside a formação de uma legião de novos servos, incapazes de decidir ou de agir por conta própria.
É importante lembrar que já naquela altura um pensamento estratégico se formava na Europa quanto ao que fazer depois da derrota da Alemanha, e um dos modelos considerado era a política norte-americana do New Deal de Roosevelt, que havia tirado os EUA da crise decorrente da quebra de 1929. E a corrente do pensamento econômico que mais se inspirou nesta política foi a liderada por John Maynard Keynes, base para o Estado de Bem-Estar Social pós 1945.
Então, para que ficasse claro de que lado estava, Hayek precisava afirmar os princípios do liberalismo e atacar o socialismo (e o planejamento em geral) sem incorrer no deslize de parecer simpático a Hitler. Então, no livro, ele toma o caminho de fazer essa distinção. E aí vem sua formulação mais controversa e uma grosseira falsificação da história: a Alemanha nazista não poderia ser considerada liberal, no sentido que ele emprestava a esta expressão, porque a Alemanha adotara o planejamento estatal já nos tempos da República de Weimar (entre 1919 e 1933) e, portanto, tinha no seu passado essa mancha “socialista”. E, insistirá Hayek, os nazistas enfatizaram tremendamente o papel do Estado, reduzindo a presença do indivíduo na sociedade, um caso único de transformação social, porque finalmente o “socialismo” degenera e se transforma em nazismo.
Só nesta condição é que os marrecos contemporâneos, que ouviram o galo olavista cantar e não sabem onde, repetem essa monstruosidade epistêmica, a de que o nazismo era uma ideologia de esquerda.
*Carlos Botazzo, 73 anos, São Paulo. Professor universitário. Escrito em 29/3/2019.
Tem sido cada vez mais frequente aparecerem manifestações “mínions” sobre a natureza ideológica do nazismo e do fascismo. Longe de serem de extrema direita, agora afirma-se que foram movimentos de esquerda. Tais afirmações têm causado alguma perplexidade.
Como está na moda afirmar e não provar, ou citar e não dizer a fonte ou simplesmente dizer não importa o quê, caso explícito do professor Ernesto Araújo e seu mentor, resolvi buscar um pouco a fonte desta prosápia semântica. E a fonte está em Friedrich August von Hayek, o papa do neoliberalismo. Hayek, ao defender a antiga política do laissez-faire econômico, base do primitivo liberalismo de Herbert Spencer, inova na sua proposição e na sustentação da sua tese.
Herbert Spencer |
Ela se acha desenvolvida por completo em “O caminho da servidão”, editado em 1944. Antes Spencer advogava o liberalismo em termos mais ou menos biológicos ou sociobiológicos. Isto é, Spencer afirmava categoricamente que os homens deveriam dar conta da existência sozinhos e prover o sustento de sua família, moradia, vestuário, educação, recreação etc. sem ajuda do governo, e ainda formar um pecúlio para se sustentar na doença e na velhice.
Ao assim procederem, estariam purificando a “espécie” porque apenas os mais fortes sobreviveriam, os demais pereceriam, e chegou a afirmar que “um homem que não consegue prover o sustento de sua família e nem a si não tem o direito de permanecer vivo”.
Spencer resolve as brutais contradições do capitalismo no século 19 pela naturalização das desigualdades e da exploração capitalista. Seria parte da natureza [biológica] humana a capacidade de sobrevivência do mais apto, tanto quanto esta afirmação valeria para as demais espécies no espaço configurado pela seleção natural descrita por Darwin.
Em outras palavras, Spencer funda ou consolida o que posteriormente veio a se chamar de darwinismo sociológico. Em 1944, ainda em curso a Segunda Guerra, Hayek não tinha condições teóricas e nem políticas de invocar este argumento. E, pior, diante da barbárie já sabida dos campos de concentração na Alemanha e do desastre do fascismo italiano, Hayek precisava ser cauteloso nas suas formulações em defesa da liberdade do mercado e das relações produtivas em conjunto. E cauteloso o suficiente para nem de longe ser confundido com a defesa de um regime mundialmente odiado. À semelhança do nazismo, o problema político de Hayek é (também) com a União Soviética, ou, mais exatamente, com o socialismo.
Friedrich August von Hayek |
E, dentro desta concepção, a ideia de planejamento. É a esta técnica de governo que Hayek dirige sua capacidade teórica. O planejamento mata a iniciativa dos indivíduos e mata a liberdade deles em agir, ele afirma. Planejamento equivale a socialismo e, portanto, ambos atentam contra a liberdade individual. O Estado que planeja, ao matar a iniciativa dos indivíduos, torna-se a um só tempo provedor de todas as necessidades de subsistência da sociedade. E nisto reside a formação de uma legião de novos servos, incapazes de decidir ou de agir por conta própria.
É importante lembrar que já naquela altura um pensamento estratégico se formava na Europa quanto ao que fazer depois da derrota da Alemanha, e um dos modelos considerado era a política norte-americana do New Deal de Roosevelt, que havia tirado os EUA da crise decorrente da quebra de 1929. E a corrente do pensamento econômico que mais se inspirou nesta política foi a liderada por John Maynard Keynes, base para o Estado de Bem-Estar Social pós 1945.
Então, para que ficasse claro de que lado estava, Hayek precisava afirmar os princípios do liberalismo e atacar o socialismo (e o planejamento em geral) sem incorrer no deslize de parecer simpático a Hitler. Então, no livro, ele toma o caminho de fazer essa distinção. E aí vem sua formulação mais controversa e uma grosseira falsificação da história: a Alemanha nazista não poderia ser considerada liberal, no sentido que ele emprestava a esta expressão, porque a Alemanha adotara o planejamento estatal já nos tempos da República de Weimar (entre 1919 e 1933) e, portanto, tinha no seu passado essa mancha “socialista”. E, insistirá Hayek, os nazistas enfatizaram tremendamente o papel do Estado, reduzindo a presença do indivíduo na sociedade, um caso único de transformação social, porque finalmente o “socialismo” degenera e se transforma em nazismo.
Só nesta condição é que os marrecos contemporâneos, que ouviram o galo olavista cantar e não sabem onde, repetem essa monstruosidade epistêmica, a de que o nazismo era uma ideologia de esquerda.
*Carlos Botazzo, 73 anos, São Paulo. Professor universitário. Escrito em 29/3/2019.
Um comentário:
E uma árdua tarefa descobrir no conhecimento mundialmente produzido qualquer base para explicar as asneiras que os Minions produzem. Na minha maneira simples de ver e procurar entender as coisas, acho que a causa é a ignorância, a falta de leituras técnicas e científicas e a vaidade. Na ânsia de se exibirem buscam retalhos de informações colhidas na vala do senso comum.
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