AGENDA CULTURAL

14.9.19

Puxões de orelhas no aniversário

Aniversariante comemora seu aniversário com muita alegria, puxando suas próprias orelhas 
*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP
Meu aniversário está próximo. Dizem as más línguas que na velhice não se colhe primaveras, trata-se de juntar mais "um era": eu era isso, era aquilo, não sou mais nada. Nem tanto, caro leitor, estou contente comigo, tudo dentro do planejado.

Existe a crença de que 30 dias antes de fazer anos (que arcaísmo), o aniversariante vive seu inferno astral. Confesso que o meu vem depois da data natalícia, nos 30 dias posteriores. Fico até pensando que mudaram a data de meu nascimento.

Nesse período, tomo o maior cuidado: aguento desaforos, evito brigas familiares, vou para as reuniões e fico de boca calada. Não dou sopa para o azar. Até a vida voltar ao normal. 

Na verdade, o que me levou a escrever esta crônica foi ter lido num livro o rito de puxar as orelhas do aniversariante na data natalícia. Parece ser um costume europeu.

Na minha época de "pobre marré", não havia festa alguma, nem se cantava parabéns. Na roça, na minha vida de menino tabaréu (até os 12 anos de idade), essas alegrias não existiam. Esse negócio de cortar bolo, então... A americanização de nossos costumes chegou depois.

A farra era pegar o colega, ou os colegas me pegarem, e dar 10 puxões de orelha, representando os 10 anos. As orelhas ficarem  vermelhas o dia inteiro. Essa "violência gostosa" talvez fosse classificada como bullying atualmente. 

Calma lá. Não sou um velho reacionário e saudosista que  afirma estar o mundo perdido e antigamente ser tudo melhor. Estou apenas recordando um costume abandonado.

Outra coisa interessante da minha meninice era batizar os sapatos novos com pisões nos pés do contemplado. Era um sinal de pouco uso de sapatos. Eu mesmo calcei muito alpargatas rodas cuja sola esfiapava, e a molecada cortava os bigodes delas com a tesoura. Na hora de calçar sapatos novos (coisa rara), além de machucar os pés, vinham os pisões. 

Vou completar 71 anos. As minhas orelhas já não aguentam tantos puxões, ainda mais que elas cresceram na velhice, estão mais flácidas. Na data, com certeza, minhas orelhas vão sentir falta da queimação.

Mas se quiser mesmo me dar um puxão de orelha no Consa, unzinho só, acompanhado de parabéns, vou aceitar com gratidão.    

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