AGENDA CULTURAL

5.8.20

Trombose da covid no soalho da boca - Alberto Consolaro

Em A e B = vasos sublinguais de pessoas saudáveis. Em C a F = microtromboses apontadas pelas setas e asterisco nas imagens apresentadas no trabalho da pesquisa


Uma corrente turbulenta sai do coração, vai pelos tubos e canais dos vasos sanguíneos a passear pelos tecidos do corpo com seu líquido cheio de barcos ou células de defesa, além de nutrientes e estímulos químicos em sua composição.

Sangue não pode parar e, se parar nos vasos, coagula e isto passa a chamar-se trombose. Naquela parte de tecido que fica sem o sangue que seria levado pelo vaso trombosado, as células necrosam, mas podem sobreviver se receberem sangue de vasos vizinhos colaterais que compensam esta falta. Órgãos com muitos vasos colaterais são mais resistentes na trombose, mas outros como os rins e o cérebro ficam mais em perigo se vasos fecharem, pois têm poucas opções alternativas de fonte sanguínea.

Quando se fala em vaso sanguíneo, quase todos comparamos com mangueiras e canos com paredes bem espessas. Pode até ser correto para os vasos médios e grandes como aorta, carótida e femoral, mas não serve para a grande maioria. A quase totalidade deles são extremamente finos e semipermeáveis e, se fotografados no seu conjunto, como em uma parte do braço por exemplo, se parecem com um prato de espaguete pela quantidade e forma de se organizar! Se quer ver como são muitos fininhos e em grande número é muito fácil.

1. A pele na superfície tem uma camada de proteína chamada queratina, mas nas mucosas da boca e outras cavidades esta camada não existe ou é muito delicada. Isto deixa as mucosas transparentes com a cor de tecido com sangue embaixo delas, lhe dando aquela tonalidade rosada.

2. Vá na frente do espelho e levante os lábios e fique observando-os internamente. Isto pode ser feito também levantando a língua ou dobrando as pálpebras para fora. Na mucosa você verá uma quantidade incontável de linhas bem finas, delicadas, vermelhas e contínuas. Se pudéssemos aumentar o tamanho destas linhas, iam parecer as ruas lotadas de carros, ou sangue, numa grande cidade vista de um helicóptero.

O difícil é ser simples, dizia Manoel Bandeira. Olha que ideia simples e espetacular. Na covid-19 a trombose nos pequenos vasos de órgãos – ou microtromboses - como pulmão, cérebro e coração é muito importante. É preciso avaliar e observar isto para fins de controle e tratamento.

Os pesquisadores DAE Santo, ACB Lemos e CH Miranda da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, usaram uma metodologia simples para avaliar isto: em 13 pacientes com covid-19 em ventilação mecânica, analisaram e fotografaram os vasos do soalho da boca, que tem a mucosa muito transparente e fina, e detectaram numerosas interrupções do fluxo sanguíneo por microtromboses (medRxiv preprint doi: https://doi.org/10.1101/2020.07.09.20149971). Assim, propuseram esta manobra como uma possível forma para avaliar, por extrapolação, o que estaria ocorrendo no pulmão e especialmente no cérebro!
Simples assim! Clarice Lispector dizia: “Não se enganem senhores, atrás da simplicidade existe muito trabalho” e o escultor romeno Constantin Brancusi afirmou: “A simplicidade é complexidade resolvida”!



Alberto Consolaro – Professor Titular da USP - FOB Bauru-SP - consolaro@uol.com.br



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