AGENDA CULTURAL

15.9.20

Quando o escritor é famoso, até seus garranchos são bons

Capa do livro 

Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

Não fui um leitor assíduo de obras literárias na minha adolescência. Se fosse depender de ler um livro de uma estante das dependências de minha casa, a minha história de leitura seria quase zero. Não havia livros, além dos didáticos no meu quarto.  

Li alguns livros no curso normal, que formava professores do antigo curso primário, por meio das jovens professoras Cidinha Baracat e Maria de Lourdes Munhoz. Depois li algumas obras clássicas para fazer o vestibular. 

Adentrei mesmo a Literatura Brasileira no curso de letras, foi o curso que achara para fazer na Funepe,  pois era a disciplina central do curso. E lá, final da década de 60, conheci Graciliano Ramos, pelas obras Caetés, Vidas Secas, São Bernardo, Angústia, Infância, Memórias do Cárcere.

Quando o saudoso professor José Fulaneti de Nadai explicava em sala de aula a coisificação do ser humano nas obras de Graciliano Ramos, se contorcia tanto no seu entusiasmo que passei a ler as obras do escritor alagoano e participar dos seminários de estudo sobre ele na Funepe. 
Graciliano Ramos 

Até escrevi uma crônica na época chamada "Zé Posseiro", colocando como protagonista um profissional em extinção na região. Já era uma influência do Graciliano. 

Quando me vi professor do antigo colegial, passei também a recomendar a leitura de Vidas Secas, assistia com os alunos ao filme e cruzava com Morte e Vida Severina de João Cabral, assim me aprofundei na interpretação das obras de Graciliano Ramos. 

Recentemente, comprei o livro "Garranchos - textos inéditos", de Graciliano Ramos. Para quem já tinha publicado postumamente Linhas tortas (1962) e Cartas (1980), pensava que não havia mais nada revelar. Mas Thiago Mio Salla, especialista em Graciliano Ramos na atualidade, ainda conseguiu reunir 81 textos desconhecidos do escritor alagoano. Quando o escritor é famoso, até seus garranchos são bons. 

No livro "Garranchos" estão os textos escritos no início da vida literária, aqueles artigos publicados em jornais de Alagoas, às vezes, da política local. Outros escritos e assinados por pseudônimo. O estudioso de Graciliano Ramos varreu tudo que tinha debaixo do tapete. As suas brigas políticas no Partido Comunista Brasileiro, sua passagem pela presidência da antecessora da União Brasileira dos Escritores. 

Aquele "lixo literário" que qualquer escritor famoso não gostaria de revelar, está lá no livro "Garranchos", um nome bem sugestivo. Como o livro foi escrito por um intelectual formado pela USP, seguiu todos os formalismo de uma edição acadêmica. Às vezes, a nota de rodapé é maior que o texto do escritor da década de 30.

Eu já sabia que Graciliano Ramos era metódico, apesar de ser de esquerda, era repleto de preconceitos, mas desta vez entrei em contato com o escritor militante político por meio de seus artigos esparramados por jornalecos e grandes jornais. Valeu a pena ler as 378 páginas. Conheci melhor o azedo Graciliano Ramos. 

4 comentários:

Unknown disse...

Para quem viveu o amargo quente da seca, "azedo" é elogio. Seria um bom voluntário na UBE de hoje.

Emilia Goulart disse...

O limão tem no seu azedume o melhor dele. Fiquei curiosa ! Você sempre apresentando velhas novidades.

Simone Leite Gava disse...

Também fiquei curiosa!

MaPaMiDi® disse...

Curiosidade aqui também!!!!!