Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP
Há 30 dias, minha mãe faleceu. Já tenho condições emocionais de escrever uma crônica a respeito. Morreu assim: repentinamente, estava bem ao lado de meu irmão e parou de conversar. A morte em si é mesmo um momento, alongado é a precedência.
Eu e meus irmãos (Hélio, Gervásio, Alberto e Luís Augusto), nenhuma irmã, fomos criados a suportar o sofrimento em silêncio. Ela morreu e ninguém chorou a sua morte, a não ser alguns vizinhos.
Não somos filhos ingratos. Estávamos com a consciência tranquila, sem brigas na irmandade e ouvindo-a pedir a morte a Deus nos últimos cinco anos: "Ele se esqueceu de mim!"
Talvez tenha faltado carinho de nossa parte, pois fomos criados no rigor disciplinar e na carência de recursos, embora o tratamento dela nos últimos anos estava muito alto, não lhe faltou nada.
Após o sepultamento, os móveis que ela juntou em 94 anos, já não estão juntos. Nada de valor, tudo muito simples, mas foi um inventário afetuoso, cada um queria ficar com alguma coisa de lembrança: filhos, noras, netos, bisnetos.
O inventário da casa, aquele feito no fórum local, está em andamento. Se os herdeiros não o fizer, o poder público acabará ficando com o imóvel. Estamos enfrentando a burocracia, como se estivéssemos dividindo fazendas.
Esta casa foi deixada pelos avós paternos. Após a venda do sítio, deu para comprar aquela casa. Isso foi há 30 anos. Antes, a família pagava aluguel, passando por 16 casas em Araçatuba. Ninguém mais do que eles tinham sofrido a falta de uma política habitacional.
O apego do casal àquele imóvel era intenso, tanto é que meu pai Luís deixou à minha mãe Augusta um testamento verbal: "se eu morrer primeiro, Gusta, não saia dessa casa, não vá morar em casa de filhos". E assim, embora com 10 anos de intervalo, ambos morreram na mesma casa e no mesmo sofá.
A herança que era um sítio virou uma casa; a que que era uma casa pode virar um carro usado, assim as propriedades foram baixando de valor. Viraram pó.
O verdadeiro inventário que não são os móveis e nem os imóveis, que passa apenas pelo crivo da justiça social são os nossos diplomas, os estudos. Eles triplicaram nossas propriedades. Todos moram em suas casas, tem suas aposentadorias, cada um com seus carros e posição social.
O casal Luís e Augusta puseram na cabeça que estudar os filhos era o único procedimento a fazer para tirá-los da pobreza. Confiaram, fizeram e conseguiram. Esse é o único inventário válido.
4 comentários:
Concordo Hélio, diploma e a melhor herança.
Tiveram uma atitude aplausível.Parabéns professr pela cronica e humildade em descrever a realidade que viveram.
Na partilha da vida o que fica de herança são a educação moral,social, intelectual e às memórias.
A saudade do amor vivido.
Muito linda a crônica que você escreveu sobre a morte da sua mãe. Eu ando esquecida mas acho que eu não tinha lido esta crônica. Vou passar para meus filhos boa noite
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