AGENDA CULTURAL

25.7.21

Quem foi rei nunca perde a majestade - Galeno Amorim



A cinco minutos da Anhanguera, lá está ele. Belo, gigante e soberano, reina entre absoluto e poderoso, e parece indestrutível e eterno. Mas será que é mesmo?

Turistas e curiosos que chegam pela autoestrada olham para cima e para os lados, respiram o ar que ali é puro e tentam abraça-lo. Mas é em vão. São necessários 17 homens adultos para conseguir fechar o círculo de
um abraço
em torno do velho e monárquico jequitibá rosa.
- Será que nem em São Paulo tem árvore mais gorda do que esta? – se impressiona Matheus, de cinco anos, que ao olhar para o alto já não consegue mirar o sol nem o céu de instantes atrás, agora encobertos pelos galhos e folhas da copa que brota no fim do tronco que talvez, ele pensa, seja tão alto e infinito quanto o pé de feijão da história do João.
- Só mesmo aqui ou, quem sabe, na floresta amazônica – resigna-se o pai, um gerente de banco que, vinte anos depois, voltou ao lugar com a mulher e os dois filhos para mostrar, no próprio cenário, a imagem que, desde a adolescência, o põe em êxtase total.
- É simplesmente fascinante – até hoje ele se regozija.
Em fins de semana é sempre assim. Pais e mães levam suas crianças para conhecer a árvore-gigante. A visita termina, invariavelmente, num gostoso piquenique, rodeado por macacos ruidosos e ao som ambiente da algazarra de tucanos e papagaios e do joão-de-barro que, não sendo bobo nem nada, escolheu justo aquele lugar para construir sua morada na copa generosa.
O Cariniana legalis, ou simplesmente jequitibá rosa (não confundir com o branco) é, tal qual o pé de jabuticaba, uma árvore tipicamente brasileira e afeita a seu clima tropical. Com a chegada do progresso e suas estradas, aos poucos as espécies da família foram sendo tragadas por máquinas e serras. As que restaram ainda podem ser encontrados em regiões de São Paulo, Minas, Paraná e Santa Catarina.
Um desses é, justamente, o jequitibazão rosa encravado como estaca no meio do caminho entre São Paulo e Minas – impávido colosso no coração da pequena floresta remanescente da Mata Atlântica, nesse fragmento do que restou rebatizada de Parque Estadual de Vassununga.
- Poucos imaginam, mas essa reserva tem uma importância fantástica para a ciência – cientifica Manoel Godoy, estudioso que se tornaria, com o tempo, mais que um especialista, espécie de defensor-chefe da maior reserva de jequitibás do mundo.
Espécie andêmica que persevera em raras regiões, sempre pela combinação de fatores como clima, umidade, solo e temperatura, a área é considerada pelos cientistas uma raridade no planeta.
E como só 5% das sementes vingam – os frutos são devorados por pássaros e roedores – a reserva corre sérios riscos.
Mas, do alto e do esplendor de seus quarenta e dois metros de altura e uma circunferência extraordinária de mais de onze metros – o que um madeiro esperto olharia e já calcularia, num estalo, algo como lucrativos 190 metros cúbicos de pura madeira de lei – o velho e bom jequitibá, que alguns estimam ter 3 mil anos bem vividos, continua, indiferente a tudo isso, encantando e impressionando quem o vê pela primeira vez.
Na estância climática de Santa Rita do Passa Quatro – terra do compositor Zequinha de Abreu, aquele do Tico-Tico no Fubá, ainda hoje com suas casinhas de porta-e-janela, ruas de paralelepípedos e praças com coretos onde, nos finais de semana, sua brava banda faz as retretss de fim de semana –, só se fala dele.
Não há ali quem não conheça ou não se orgulhe de sua árvore mais gigante. Seja por sua majestade, admiração ou costume, o jequitibá rosa não sai da boca de seus 26 mil habitantes.
Uns dizem que é carta na manga para alavancar o turismo local – cuja economia depende dos pomares de laranja e de uma tímida agropecuária –, e ajudar a atrair ao lugr gente da cidade grande com seu clima seco e aprazível, sua resiliente cultura popular e, claro, a vida pacata e barata do interior.
Mas há quem receie que se isso não for bem planejado, será a perdição final. Manoel Godoy, o cientista, é um desses. Cada vez que revê o jequitibá querido e velho de guerra, ele se impacienta:
- É lixo por toda parte e a fiscalização da polícia ambiental praticamente inexiste – incomoda-se ele, lembrando-se, ainda, das queimadas em canaviais que chegam, perigosamente, cada vez mais perto.
Professor Godoy defende o turismo ecológico e apregoa que a preservação dos jequitibás e o futuro da reserva estão, literalmente, nas mãos de crianças como Matheus. Como dizem os espanhóis, a ver.

***

A última vez que estive no Parque Estadual de Vassununga para conhecer o rei dos jequitibás e escrever reportagens sobre essa belezura numa revista domingueira do jornal O Estado de São Paulo foi nos anos 1980. Depois, soube que apelidaram o garboso rei daquela selva de Patriarca - por razões bastante óbvias.
Recentemente, contudo, funcionários do parque, enquanto faziam a ronda diária, deram de cara um jequitibá ainda tão vistoso, só mais novo, talvez uns 600 anos de idade. Mede daqui, mede dali e descobre-se, então, que a árvore é dois metros mais alta, o que precisou ser checado com drones.
Pronto: deram a ela o nome de Matriarca, agora a rainha dos jequitibás, com direito a cetro e trono, e distante poucos metros do Patriarca.
Hoje em dia, Matriarca reina, com sabedoria, ao lado de seu Patriarca, o reino encantado dos jequitibás de Santa Rita do Passa Quatro, uma vez que quem foi rei nunca perde a majestade.
Mas a moral desta história é outra, e mais simples: nada - nada mesmo! - é para sempre.

Galeno Amorim é escritor, foi secretário municipal de Cultura de Ribeirão Preto e presidente da Fundação da Biblioteca Nacional

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