AGENDA CULTURAL

20.4.22

Galão d'água - Gervásio Antônio Consolaro


Temos amigos que estão no Japão já alguns anos, um deles me contou “que ontem veio um homem aqui e deixou um galão d’água na frente da minha porta. Disse que durante a madrugada eles fariam uma vistoria nos encanamentos de água do bairro e por isso estavam passando  para avisar, deixar o galão e pedir desculpas por terem que desligar o registro de água por algumas horas. Eu disse para ele que não precisava deixar a água, afinal, estaríamos dormindo nesse horário, mas ele respondeu: “Você paga suas contas todos os meses e nós temos obrigação de não deixar você sem água nem por um minuto. E ainda disse: Se precisar de mais, pode pedir. E assim seguiu a distribuir nas outras casas. Durante a madrugada, olhei da janela e havia um grupo trabalhando nas ruas em silêncio. Hoje vieram novamente, casa por casa, só para agradecer”

     Pois é. Não é assim que deveria tudo na vida? Decência, responsabilidade e educação: por que é tão raro, tão complicado? A simplicidade da cena: um galão d’água deixado de porta em porta para o caso de os moradores terem alguma eventual necessidade às duas horas da manhã, às três horas da manhã. Não é  caridade, e sim direito do cidadão que paga taxas e impostos. Eu não deveria me comover com isso, mas me comovo, porque a gente cumpre com os compromissos como qualquer japonês, qualquer sueco, qualquer canadense,  mas onde está a contrapartida? Acho que isso explica nossa desesperança de que uma eleição mude alguma coisa. Já não acreditamos que um candidato consiga, não se deixa corromper pelo poder, que possa governar sem dever favores para outros partidos, que solucione as mazelas do povo em detrimento das negociatas. Política passou a ter um sentido desvirtuado.

     Ninguém obriga um homem ou uma mulher a se candidatar a um cargo público. Se ele se oferece para a missão de governar, deveria fazer unicamente por seu espírito altruísta. Mas soa como piada. Altruísmo na política brasileira? Tolinho.

      Um galão d’água na porta. Um serviço de atendimento ao consumidor que funcione de forma fácil.

      Um policial em cada esquina. Nota Fiscal entregue em  todas as transações comerciais. Lixeiras por toda parte. Ruas bem sinalizadas. Transporte farto, barato e que cumpra horários. Hospitais com vagas dia e noite. Escolas eficientes. Confiança em vez de burocracia. Sinceridade em vez de enrolação. Agilidade em vez de empurrar com a barriga. Se todo mundo concorda que é assim que tem que ser, por que não acontece, quem emperra?

      Não é só culpa de quem governa, mas dos governados também. Só uma observação,  a sociedade civil não se organiza ou se organiza sem eficiência para fiscalizar as contas públicas, com vista aos princípios constitucionais da legalidade, moralidade e eficiência. Governados viciados em retórica, seduzidos por vantagens exclusivas e não coletivas, sempre se perguntando “como posso faturar com essa situação?, não permitimos que o Brasil se moralize e avance.

Galão d’água na porta de casa? Só com um troquinho por fora, meu irmão.   

Gervásio Antônio Consolaro, diretor da AFRESP, delegado regional Tributário e  auditor fiscal da Receita Estadual, aposentado, contador, administrador de empresas, bacharel em Direito e pós-graduação em Direito Tributário, coach pela SBC.                g.consolaro@yahoo.com.br 

Nenhum comentário: