Escrevo para você, mas quem tu és? Vou lhe identificar: você ainda tem
menos de 50. E lhe peço algo que parece impossível: pare! Responda: onde queres
chegar? O quanto quer acumular e para quê? Já conseguiu o que queria e não
consegue mais parar a roda da vida em que se meteu? Que pena.
Conheço muitas pessoas que sonhavam em trabalhar após os 50 anos e
não conseguiu, mas bem que poderia! Mas, como não se decide, os seus sonhos se
desmilinguíram na rotina diária que esfacela o romantismo, empatia e a vontade
de viver e ver o tempo passar com saúde e harmonia. Cada vez mais viramos
escravos, pois não conseguimos sair desta coisa que Darcy Ribeiro chamou de
“máquina de moer gente”.
ERA ASSIM
O ser humano era para usufruir da natureza e, de vez em quando, iria
aparecer um leão para lhe degustar. Você tranquilo se assusta com aquela fera,
e num piscar de olhos a sua máquina humana acelera e ascende tudo que serve
para correr, lutar, enxergar, decidir e raciocinar. É sangue e glicose para os
músculos, cérebro e coração. O resto do organismo que se dane, agora temos que
nos salvar na fuga ou enfrentamento.
Depois que conseguiu se safar da fera, por algumas horas ainda, você
fica ofegante, pensativo e reflexivo, curtindo a façanha e tirando as lições
para um dia, quem sabe daqui alguns meses ou anos, se isso acontecer de novo.
Cá entre nós, o que aconteceu com o corpo neste momento?
A fera, o leão e o perigo, acionaram as glândulas suprarrenais, dois
verdadeiros chapéus dos rins, onde são produzidos os hormônios que estimulam
nossas atividades vitais, especialmente nos casos de estresse agudo. Sãos os
corticosteroides, entre os quais o cortisol, mas tem outros também que
estimulam as funções vitais de fuga e ou luta.
LEÕES E BOLETOS
Ao priorizarem a sobrevivência, os hormônios deixaram de lado o sistema
imunológico, inflamação, romantismo, diálogo, reflexão e inteligência
emocional. O negócio era salvar a vida e não virar comida de leão. Hoje, o ser
humano sabe disso e usa estes hormônios como drogas anti-inflamatórias e
imunodepressoras. Estas funções eram momentaneamente apagadas em um curto
período de tempo, em alguns minutos tudo estaria normal de novo e nem
caracterizaria um período insignificante de fraqueza orgânica.
O tempo foi passando e o ritmo da vida acelerando. Agora, todo dia,
temos alguns leões para fugir ou lutar. Assim são os boletos para pagar, as
metas para cumprir, os presentes para dar e os desempenhos pessoais a cumprir.
Todos os dias passamos por estresses extenuantes. O que era para ficar fraco
para sobreviver por alguns minutos, uma vez por ano ou mais do que isso, passou
a ser frequentes e diários.
Se o sistema imunológico fica atenuado pelo estresse e a inflamação
menos competente todos os dias, teremos muito mais doenças infecciosas e muito
mais cânceres que aparecem em várias partes do corpo. A medicina de mercado dá
um jeito, e sobreviveremos por longo período com qualidade de vida menor e em
condições precária para nem usufruir aquilo que construímos!
REFLEXÕES FINAIS
1.
Não aguento mais notícias de amigos, parentes e conhecidos que estão com
problemas de câncer. Eu apelo, parem de trabalhar tanto para acumular o vil
metal, não vale a pena. Eu apelo mais ainda, às pessoas com menos de 50 anos,
ainda dá tempo de readministrar o seu modo de vida.
2.
São bilhões de mitoses por dia no corpo, algumas resultam em células
atípicas e bizarras que o sistema imunológico e a inflamação conseguem acabar
com elas em condições normais. Mas se você mata leões todo dia, este estresse
diário acaba com suas defesas elementares. Tá na hora de parar para pensar em
parar!
3. Cartola cantou assim para sua filha: “Ouça-me bem, amor. Preste atenção, o mundo é um moinho. Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho. Vai reduzir as ilusões a pó.”
Professor Titular da USP
FOB de Bauru
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