AGENDA CULTURAL

8.1.14

Berço e dom

Hélio Consolaro*

Não sei se o caro leitor já ouviu a antiga expressão: “Educação é questão de berço”. Analisada, assim, sem nenhuma informação histórica, demonstra que é na infância que se dá a formação mais importante da pessoa. É uma verdade.

Mas se um pobre ou negro tiver alguma atitude condenável e alguém de nariz empinado disser: “É uma questão de berço”, a expressão está carregada de preconceito, de gente que quer excluir. Berço de ouro, por exemplo.

Não sou daqueles que julgam todos os pobres e todos os negros bons por antecipação. Há muita gente preconceituosa nesse meio também, porque eles repetem aquilo que observam, sofrem e aprendem em sociedade.


Há uma frase interessante de Delfim Neto, quando era ministro da Fazenda: o trabalhador brasileiro é um capitalista pobre. Basta que tenha capital, para se tornar também explorador. Ou, então: conheça uma pessoa, pondo-lhe um chicote à mão. Se ela for de má índole, haverá com certeza abuso de autoridade.

Machado de Assis em “Memórias Póstumas de Brás Cubas” cria uma situação interessante nesse livro. Brás Cubas surpreende o negro Prudêncio (ambos personagens do livro), já liberto, negrinho de quem tanto judiava na infância, chicoteando outro negro na rua. O ex-dono sentiu-se um bom professor. Era o  oprimido aplicando os mesmos métodos do opressor. Outro exemplo: se crianças batem em bonecas, com certeza, apanham de seus pais.

A monarquia baseia-se na transmissão de poder pela questão de sangue (sangue azul): o pai é rei, o filho herdará o trono. A Revolução Francesa, século 18, acabou com isso, embora ainda existam algumas monarquias constitucionalistas.

Os conservadores, contudo morem numa república, repetem a motivação monarquista em suas ações cotidianas. Tudo é questão de berço. A condição de herdeiro passa a ser um tributo nato.

Se é nobre, vai ser da nobreza. Se é plebeu, pertencerá sempre à plebe. A monarquia não existe mais há mais de 100 anos no Brasil, embora haja muitos monarcas entre nós. Daí essa raiva danada da política atual de inclusão social praticada: “não existe classe C emergente” gritam os reacionários.


Outra expressão é “João Henrique tem dom, Deus passou isso para ele”. Isso acontece principalmente no meio artístico. Hoje, com a teoria das inteligências múltiplas e que algumas são desenvolvidas em nós pela família, pela escola, outras não, derruba toda a teoria monarquista do dom, mas ela ainda está presente no senso comum.

Então, quando alguém lhe disser que precisamos ser mais republicanos, está implícita uma recomendação: deixemos de ser monarquistas. Para não se surpreender, caro leitor, o monarquismo tem presença forte até em partidos de esquerda.

Não existe “dom” e nem “berço”, há sim educação que deve ser boa e de excelente qualidade para todos. Devemos democratizar as oportunidades.


*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Secretário municipal de Cultura.

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