AGENDA CULTURAL

8.11.06

Meus carcereiros

Hélio Consolaro

A cada dia vivido, mal ou bem, acertando ou errando, descubro que acreditar em Deus é uma forma de arrumar uma companhia com quem conversar naqueles momentos difíceis, em que só eu posso fazer algo por mim.

Conversar com a voz de dentro, bater um papo, trocar idéias. Quando, na aplicação de uma prova, algum aluno gozador me pergunta se pode fazê-la em dupla, eu respondo:

- Sim, cabeçudo! Você fará dupla com Deus!

Como Ele não é muito dado a estudos, cuida de coisas maiores, o aluno fica na unha do capeta.

A danação se dá mesmo quando um sujeito tem uma visão de Deus, forma uma religião e tenta angariar fiéis. Distribui um diabo para cada um e diz:

- Ele vai tentar você! Quando isso acontecer, procure a igreja.

É o tal chamado presente de grego. Assim aconteceu com os índios brasileiros. Viviam no Paraíso, sem distinguir esse maniqueísmo entre bem e mal. Os portugueses chegaram, trazendo o diabo de presente e pregando a salvação. E os índios passaram a viver o inferno.

É bom dizer que igreja não é o templo, mas um ajuntamento de gente que reza, ora em comum. Geralmente pecadores, porque inventaram o diabo e convivem com ele.

Se há religiões esquisitas, o cristianismo não escapa disso também. Como nascemos numa religião, a de nossos pais, então tudo parece normal, mas quem chega ao templo pela primeira vez, com olhos de croniqueiro, por exemplo, o estranhamento chega ao absurdo.

Na semana passada, numa cidade distante, participei de uma assembléia numa igreja, a convite de um amigo. Não me neguei, quis conhecer, ver como era. E saí de lá meio pasmo com o ser humano.

As mulheres se sentaram separadas dos homens, usando véus, e nenhuma usou o púlpito, só os homens do ministério. Nunca vi tantos ternos e gravatas num lugar só. E este croniqueiro, visitante, em mangas de camisa.

E quando os homens se referiam às mulheres nos testemunhos e nas pregações, não eram citadas pelo nome, apenas diziam ”minha esposa”, “a esposa”. Não sei se era norma, ou apenas aconteceu naquele dia.

A partir daquele momento, caro leitor, passei a entender o meu amigo, a sua fala, os seus sentimentos, porque ele nasceu participando daquela igreja. Eu havia encontrado a matriz de sua formação, estava lá, bem claro.

Não foi uma noite perdida a ida à igreja.. Aprendi mais uma faceta de mim mesmo e de meus semelhantes. Não estou pichando tal religião, apenas dizendo que é diferente, não me identifiquei com ela.

Prezo minha liberdade. Meus carcereiros são Deus e o amor, mas eles não fabricam cadeias, meu castigo é a liberdade. Sou louco, tentando ser feliz!

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