AGENDA CULTURAL

16.3.11

Volta diferente pra vida – 21/3/2003

Hélio Consolaro
Domingo, 16 de março, fiquei bastante pensativo. Ia até escrever uma crônica a respeito, mas deixei pra lá. Não gosto de me posar de vítima.

Refleti durante a semana e concluí que não devia deixar pra lá, pois os jovens têm o direito de saber que essa democracia foi germinada com sangue de muita gente.

Em Brasília, Frei Betto contempla hoje a esplanada dos ministérios do Palácio do Planalto e se belisca, não acredita. Ele é assessor do presidente. O conselheiro das horas difíceis. Benedita da Silva, José Dirceu, Marina Silva são ministros. E o presidente é o Lula!

Mas há 30 anos, Frei Betto estava no calabouço, acusado de subversão porque discordava do regime militar, exigia liberdade, queria eleições diretas.

A caminhada parecia tão impossível, o povo não entendia. Quando a hora chega, descobre-se que a mudança foi muito rápida. Tudo foi ontem. Só foi o povo querer.

No dia 16 de março de 1973, eu viajava num ônibus da empresa Andorinha. Saía de Rosana-SP e ia a Presidente Prudente comprar materiais escolas para os alunos carentes.
Ao sair, 20 km depois, o ônibus parou. A polícia o rodeou, o arsenal era pesado. Na porta, o policial perguntou:

- Quem é Hélio Consolaro?
Levantei-me, tremendo. Para quem havia acabado de ler a tríade Túneis da Liberdade, de Jorge Amado, sabia que a hora havia chegado.

O professor estava preso. Silêncio no ônibus! Falar não devia. Era tempo de escuridão. Não podia assoviar “Pra dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré; nem “Apesar de Você”, de Chico Buarque.

Viagem longa em viatura policial até a rua Tutóia, em São Paulo. Eu e Tito Damazo. Na porta da Operação Bandeirantes, onde se matava e torturava opositores do regime, a recepção foi tétrica. Sujeito de braço roliço e musculoso foi logo dizendo:

- Vão virar presunto ali dentro, seus comunistas!



Uma noite na portaria. Sentados. Um olhando para o outro:

- Se conversar, entra no cacete!

Lá já estavam presos Oswaldo José Fernandes, atual secretário de Educação e Cultura de Jundiaí; Manuel Veríssimo, diretor de escola em Guaraçaí; Mary Etuko Hamanaka, diretora de escola em São Paulo.

Tínhamos sido membros do diretório acadêmico da Faculdade de Penápolis, Funepe. Moços imberbes de experiências. Horrorizados, chamando a mãe.

Choque elétrico, puxões de barba. Éramos fim de linha, frangotes. Os torturadores chamaram o professor da faculdade na sala de interrogatório, homem de fortes convicções ideológicas. Ele recomendou:

- Podem falar. Eles já sabem tudo! Não agüentei...

Nos 30 dias por lá (15 na Oban e 15 no Dops), ouvíamos, arrepiados, os gritos de Alexandre Vanucci, estudante. Morreu torturado.

Sair de lá vivo e salvo era como se curar de câncer. Com 25 anos, a minha pipoca estourou, metáfora de Rubem Alves para quem descobre a vida. Por isso não levo a vida a sério. Quem teve a morte como companheira, volta diferente pra vida. Era o cronista em construção.

5 comentários:

Beatriz Nascimento disse...

Texto mto reflexivo...Às vezes qdo leio suas crônicas vejo q da vida eu não sei nada, e que tenho mto q aprender, e tenho mesmo...
Parabéns! Belo texto^^

Ademir A. Bacca disse...

helio,

linkei teu blog ao meu
grande abraço

Anônimo disse...

Hélio, tempos de cão esses, hein. Acho que vc e o Tito me deram uma visão mais lúcida de toda essa loucura de ditadura etc, porque tudo o que eu sabia era das aulas de História na escola e documentários na TV. Tempos de cão... Parabéns pelo texto. Ah! E fiquei "se achando" quando vi meu nome lá no meio dos seus cronistas preferidos! hehe... Brigadú! Abração!

Anônimo disse...

caro xará,

do sangue de um poeta a vida a vida escorre... e ensina... a vida... após tantas barreiras transpostas... meu muito obrigado é como um sopro... de vida... aprendida

Patrícia Bracale disse...

Ainda bem que eu ainda não tinha nascido, sempre achei q/ estaria morta...