AGENDA CULTURAL

12.7.07

Cidade no buraco


Hélio Consolaro

O boteco Bate Forte estava repleto de barrigudinhos, como sempre. O frio colaborava para o consumo de vinho e conhaque. Faca Amolada e Caneta Louca atendiam aos pedidos afoitamente.

Cada barrigudinho, ao chegar, fazia o seu pedido e jogava o seu primeiro gole de vinho ao santo Onofre. Dona Assunta administrava a cozinha. Amelinha mais marcava do que recebia na caixa.

Seu Sugiro não apareceu para assar espetinhos de filé miau. Estava muito frio.

Dr. Duas Caras chegou, sentou-se à sua mesa de sempre, desapertou o nó da gravata, ajeitou o cabelo tomado por gel, passando as mãos nas laterais da cabeça e pediu uma garrafa de Chateau Duvalier, pra começar.

Magrão aproveitou a sobriedade do advogado para lhe fazer uma pergunta:

- Doutor, que achou daquele acidente em que um rapaz de 28 anos perdeu um testículo ao brecar a moto bruscamente diante de um buraco?

- Foi lamentável, obra da fatalidade, meu caro.

E assim Magrão foi jogar conversa fora noutra roda, porque sabia que depois do terceiro copo, a resposta seria outra, com certeza.

Conversa vai, conversa vem. Dr. Duas Caras ficou vermelho, estufou as veias do pescoço. Magrão voltou, fez novamente a pergunta cuja resposta, com certeza, viria nadando em copos de vinho.

- Isso foi uma pouca vergonha. A cidade tem tanto buraco que deixa o cidadão nesse estado!

E continuou:

- Numa cidade em que tem os vereadores mais caro do Estado de São Paulo, só podia dar isso mesmo.... Vereadores ricos, e a cidade no buraco.

Todos os barrigudinhos aplaudiram o Dr. Duas Caras, o homem que ficava corajoso depois de bêbado.

A conversa caiu no gelo. Todos encorujados, com as mãos no bolso diante do frio intenso. Até que Guiné falou o óbvio:

- Se não fizesse frio, a Expô ia ser um fracasso. Exposição de gado boa tem que ser com frio rachar!

Os barrigudinhos queixaram-se do preço dos ingressos e das coisas lá no recinto da Expô:

- Aquilo virou festa de rico! Meus filhos vão porque têm o seu dinheirinho, pagam meio ingresso. Levar a família toda não dá - observou Banguelo.

Uma senhora que apareceu na porta do boteco e ficou ouvindo o Banguelo. Com o dedo em riste, disse a todos:

- Se vocês tomassem menos bebida alcoólica, sobraria dinheiro para cuidar da família, seus cachaceiros!!!!

E a mulher sumiu. Seria um fantasma ou um anjo? Que medo!

Faca Amolada percebeu o estrago que isso ia causar, gritou:

- Vinho por conta da casa!

E abriu dois litros de tinto seco. O vício foi mais forte que o medo. E assim o complexo de culpa desapareceu.

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