AGENDA CULTURAL

22.7.07

Gostosuras divinas


Hélio Consolaro

Os anos me mostram quão frágil é o ser humano. Também descubro que a arrogância e a empáfia são máscaras de quem não suporta essa fragilidade, não quer experimentá-la, treme em saber que um dia passará por ela.

Cutucando o cérebro, para usar uma expressão machadiana, chego à teogonia de que o céu pertence mesmo aos simples, porque eles se ajoelham com elasticidade, colocam-se ao rés do chão diante de Deus e se solidarizam com seus semelhantes facilmente.

Envelhecer com tranqüilidade, aceitar a finitude e a solitude em paz e viver o agora plenamente é o segredo da vida. Essa filosofia, caro leitor, você a encontra num sorriso largo de uma pessoa com mais de 80 anos, como os professores Zezé Bedran, Antônio Arnot Crespo. As limitações da idade são encaradas como parte da vida.

Se eu não tivesse pego meu destino em minhas próprias mãos, me esforçado tanto para ser um sujeito estudado, hoje eu faria parte do mundo dos simples de coração, embora a sabedoria livresca não tenha feito muitos estragos na minh`alma.

Na vida, conhecemos o céu e o inferno. E, às vezes, eles se instalam dentro da gente sem pedir licença. Outro dia, experimentei o céu numa sessão de ioga, na academia da Verinha. Estirado ao chão, fazendo uma reflexão, cochilei, levitei-me, saí do inferno em que me encontrava. Que alívio!
Numa assembléia religiosa, percebi que lá não estavam os santos, mas os pecadores (inclusive este croniqueiro) e que o pregador, sabiamente, não acusava ninguém, nem criava nos presentes complexos de culpa. Tampouco prometia o fogo do inferno aos renitentes. O celebrante, usando uma liturgia apropriada, apenas democratizava as gostosuras divinas com os demais, para que transformassem o sofrimento em alegria de viver.

Este croniqueiro, às vezes, submete seus leitores à filosofia de pára-choques de caminhão. Perdoe-me se faço isso neste texto. Deus é a fonte que jorra e não se apresenta apenas nestes momentos solenes e sublimes, nós navegamos nele a todo momento. Não é uma questão de acreditar ou não Nele. Ele é, Ele está, moramos Nele e Ele em nós. Vivemos essa promiscuidade sem contradições.

E navegar, começo a entender agora Guimarães Rosa, não é ficar na margem esquerda ou na direita. O personagem “pai” de seu conto A Terceira Margem do Rio abandona a família e se isola numa embarcação minúscula no meio do rio, como se quisesse criar a terceira margem, sem medo de morrer em suas profundezas. O filho não tem coragem de substituí-lo.

Nestes últimos dias, caro leitor, tenho sido esse filho.

Um comentário:

Anônimo disse...

Belo e enigmático seu texto. Gostei especialmente dessa frase: "Envelhecer com tranqüilidade, aceitar a finitude e a solitude em paz e viver o agora plenamente é o segredo da vida" Simples e complexa.
Beijo no seu coração.