AGENDA CULTURAL

31.12.07

Poupar tempo

Iraida Icaza

Hélio Consolaro

Na terça, a roda do tempo dá mais uma volta. Não me preocupo em poupar tempo, porque cada um deve ser dono dele, nada de correria, este croniqueiro quer fazer parte dos lerdos: devagarinho, bem devagarinho, quase parando.

Ninguém perde tempo, ele precisa ser vivido minuto a minuto, sem querer fazer sucesso, sem vendê-lo a ninguém, porque só os pobres fazem isso. Tempo não é dinheiro, caro leitor, a liberdade de usar o seu tempo como quiser é a maior de todas as liberdades.

Ficar sem fazer nada, deixar o tempo escorregar, ir embora, porque trabalhar, trabalhar, naquela correria é fácil, difícil mesmo é ficar sem fazer nada. O tempo sem movimento é infernal. Ficar imóvel num leito, só mover os glóbulos oculares, sentir cada segundo se arrastando demoradamente não é desejo de ninguém, mas o tetraplégico deve ter uma sabedoria se não sentir inveja dos andantes. Ele tem o tempo puro, só dele. Senhor do tempo.

Nesta mudança de dígito, 2007 para 2008, não sei se me alegro por ter vivido mais um ano ou se choro porque tenho um ano a menos na minha vida. A cada ano, o caroço da morte cresce dentro de mim.

Pratico uma autofagia à medida que avanço. Não sei se o tempo me devora ou sou eu o devorador do tempo. Como Einstein disse que o tempo não existe, a melhor atitude é não sentir dor e nem prazer, viver. “E um dia sei que estarei mudo: — mais nada.”

O tempo só existe no espelho e nas fotografias. De repente, sem querer, recitamos outro poema de Cecília Meireles: “Em que espelho ficou perdida a minha face?”

O fim da trajetória de cada configuração humana ocorre. Cada um é um arquivo a ser deletado. Se por uma bala perdida ou num leito hospitalar, não importa, são apenas detalhes. De repente, abandonamos o grupo que chora esse abandono, mas também sabe que ele é inevitável. Quando isso acontecer, não será o tempo que me devora, mas os vermes (ou vírus).

Na luta contra o tempo, busco a eternidade, a imortalidade, invento uma série de coisas para dizer que continuo vivo. Mesmo no ato simples de escrever um epitáfio para que os viventes o leiam no Dia de Finados.

Nem Deus conseguiu fugir dele na boca dos homens. Dizem que Ele fez o mundo em sete dias. Só porque os românticos declamam que o amor é eterno, decretaram a indissolubilidade do casamento: vai ter que ser eterno por decreto. Aprisionar o tempo é uma besteira humana.

Serei um ser virtual ou real? Não sei mais, caro leitor. Não serei um arquivo em 3D na máquina de meu criador? Se o tempo não existe, que será este zunido em meus ouvidos? Sou ou não sou?

Deixe isso para os filósofos. Brindemos. Que em 2008, você, caro leitor, não precise poupar tempo.

Um comentário:

Stella disse...

O acaso me trouxe aqui... O tempo "sem fazer nada" está sendo bem aproveitado. Adorei a crônica!
beijos