AGENDA CULTURAL

30.3.08

No templo do corpo


Hélio Consolaro

O croniqueiro está limitado a suas vivências. E a cada uma delas enriquece a sua vida, por isso tenta passá-las a seus leitores. Nesta semana, vivi uma realidade diferente. As veias entupidas da Japa me levaram para o hospital, ao templo do corpo.

Sim, o hospital é o templo do corpo. Senti que por lá, na Santa Casa, há tanta dignidade do corpo, mas também a banalização dele é inevitável, como nos outros hospitais. Para se mudar de categoria, de corpo vivo, pulsante, para cadáver, é um triz. Nessa situação limite, a sensualidade não está mais nas curvas, mas no sorriso, no semblante, na interação, nos sentimentos.

Os profissionais da medicina vivem essa realidade diuturnamente, jurando a Deus e a Hipócrates. Vendo corpos nus a todo momento: doentes, débeis, cortados, desenergizados. E descobrir depois desse dia de trabalho estafante a beleza de num só corpo, porque ama aquela configuração com nome, sobrenome e história, para lhe dizer “eu te amo”.

Quem entra num hospital no bico corvo e sai vivo, muda a sua concepção de vida. Ninguém saiu como havia entrado, mudança que só nos templos ocorre. Quem dá um tapa no bico do corvo, não volta igual para casa. Só se for piruá, na linguagem de Rubem Alves, insensível, que não estoura e nem aflora ao fogo da aflição. Se um hospital é o templo do corpo, há nele uma luta enganosa para que não haja a separação de corpo e alma.

Se há toda essa grandeza, mas o templo precisa ser administrado entre duas colunas: entrada e saída, débito e crédito. Se o padre cobra a missa e o pastor, o dízimo, que trabalham no templo do espírito; no templo do corpo não podia ser diferente. Tudo é grande, basta ter olhos. O metal não é vil.

Também aprendi como fui insensível às doenças alheias, sendo meio indiferente, porque sou uma pessoa de boa saúde, nunca perdi irmão e nem filhos, tenho pais vivos. Não tinha vivido a realidade hospitalar tão de perto, ao lado de meu leito.

Tenho oportunidade de conhecer pessoas mil. Por mais que este croniqueiro seja conhecido, não conheço a todos. Todos falaram maravilhas do Dr. Hélio Poço Ferreira, mas era de outra roda. Apesar de xará e vivermos tão próximos, nossas linhas não se cruzavam. Até que as veias da Japa foram desobstruídas.

Na igreja eu também me curo: “A tua fé te curou”. Lembre-se, caro leitor. Se saio da igreja alegre, certamente a minha saúde será melhor, portanto o templo é um só. “Reconstruirei o templo em três dias”, disse o Mestre. O tempo e o templo são um só. E Ele subiu aos céus com corpo e alma.

E viva a vida, caro leitor. Deixe de lado as maluquices deste croniqueiro.

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