AGENDA CULTURAL

24.4.10

Negritude solitária


Hélio Consolaro*


São Paulo sempre me criou problemas, vou lá para resolvê-los. Conheci a cidade pela mão única de Jorge Policarpo, levando expedientes da repartição. Não tenho saudade de suas ruas.


Depois, lá fiquei preso por 30 dias durante a ditadura militar. Para provar que não era aquele subversivo imaginado, tive que viajar 700 km na marra para Sampa mensalmente, até ser julgado inocente por um tribunal militar.


Depois, ia para a capital quinzenalmente, como sindicalista. Um dia trouxe em minha bolsa uma greve que precisava ser deflagrada. Nunca fui a São Paulo a passeio. Os lugares mais bonitos de Sampa me tornaram horrorosos. Resolvidos os problemas, procuro logo o caminho da volta. Até meus amigos paulistanos são diferentes.


Agora, como secretário da Cultura de Araçatuba, estou em São Paulo constantemente à procura de solução de problemas da cidade. Fiquei mais de 10 anos sem pôr os pés lá, Sampa não me faz falta. Nesse período, conheci outros lugares do Brasil.


Recentemente, adentrei um bar que virou um misto de restaurante. Se a clientela era tamanha, a comida deveria ser boa. E era. Lá, uma cadeira e um lugar para colocar o prato eram uma riqueza.


Havia um negro sentado numa minúscula mesa, mas havia uma cadeira vazia. Era a única vaga. Quando pensei me sentar lá, fazer companhia ao afro-descendente, o garçom me disse:


- Doutor, já desocupou aqui.


E me sentei com uma mocinha, bonita, mas que não conversava. Tentei puxar assunto, mas só ouvi o silêncio. Certamente tinha medo de levar mais uma cantada. Omeletei-me solitariamente diante de uma multidão, sentado à frente de uma bela mulher. Assim é São Paulo.


Muita gente esperava um lugar para se sentar e comer, mas o negro continuava solitário, com uma vaga à sua gente. As pessoas não optavam por ele.


Não era um sujeito exótico, nem mendigo, nem fedorento. Cidadão normal. Vestia jeans e camisa Polo, mas era negro. Assim, ele se alimentou solitariamente. E eu também. Bem que eu poderia ter recusado a indicação do garçom...


Comi rápido, saí despachado. Havia pessoas à espera, mas todos recusavam sentar-se à mesa e almoçar com um negro.


Lembrei-me de muitos chavões. De um povo pacífico a um país abençoado por Deus, de o Brasil ser uma nação sem racismo.


Saí, fui atrás da solução de meus problemas. Deixei o negro em sua solidão, uma negritude solitária, comendo devagarinho. E continuei só nas ruas de São Paulo.


Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras. Atualmente é secretário da Cultura de Araçatuba.

6 comentários:

Marisa Mattos disse...

É essa sua sensibilidade de olhar que me encanta...mas fico me indagando...a cronica é um pedido de desculpa por ter sucumbido ao racismo?Pois foi como todos,concorda?Ah...mas se foi tá desculpado...TODOS SOMOS!!!

Patrícia Bracale disse...

Solidão em Sampa
Cidadão
Foi
.

Fernando Martinez disse...

o preconceito come quieto e não se retira facilmente

HAMILTON BRITO... disse...

Escolher entre sentar com um homem negro e uma moça bonita, não tem nada a ver com racismo. A coisa tá mais chegada pra assanhamento. Se coloca que fez companhia ao garanhão africano pode mudar de Araçatuba.

Anônimo disse...

Mas nao fiz critica e sim constatação...e admiro os corajosos que assumem seus atos...Helio Consolaro pra mim é MESTRE na amplitude da palavara...

Anônimo disse...

Mas nao fiz critica e sim constatação...e admiro os corajosos que assumem seus atos...Helio Consolaro pra mim é MESTRE na amplitude da palavara...