AGENDA CULTURAL

30.4.10

Dispense o seu patrão



Hélio Consolaro*


Não vou escrever sobre passeatas, greves, centrais sindicais neste 1.º de Maio, nem contarei a história de como surgiu tal comemoração. Apenas reivindicarei a diminuição da jornada de trabalho.


Quero escrever sobre o ócio, a preguiça.


- Ai que preguiça! – dizia Macunaíma, herói sem caráter, personagem do livro de Mário de Andrade.


Antes, no tempo dos reis, o trabalho era interpretado como um castigo. Inventaram a história de que Adão e Eva pecaram, por isso o ser humano precisou trabalhar. Nem todos, claro. Só trabalham os parvos.


Tanto que a palavra “trabalho” tem a sua origem no vocábulo latino “tripaliu” – denominação de um instrumento de tortura formado por três (tri) paus (paliu). Uma espécie de pau-de-arara. Trabalhar era uma atividade dos subalternos que não podiam pagar impostos, os desvalidos. Até hoje, são mais valorizadas as profissões que não sujam a roupa com seu trabalho.


Com o advento do capitalismo, surgiu a ideologia de que o trabalho dignifica o homem, embora houvesse tempo em que a jornada de trabalho de um assalariado fosse de 16h. .


- Ai que saudade da escravidão! – dizia o operariado.


E nós acreditamos nessa dignificação do trabalho. Quem não trabalha passou a ser chamado de vagabundo, e passamos a ouvir a frase:


- Quem não trabalha, não vai comer!


Passamos a ter dias úteis, como se domingos e feriados fossem inúteis. O Dia do Senhor passou a ser uma inutilidade, orar e rezar, como ir às missas e cultos, era vagabundagem.


Este croniqueiro se considera um workholic. Esse estrangeirismo significa “obcecado pelo trabalho, viciado em trabalho”. Este foi o aleijão que a história de trabalhar desde criança me deixou. Trabalhar muito cedo não quebra ossos, mas deixa marcas profundas em nosso comportamento.


O workholic não consegue tirar férias. Três dias à beira-mar me deixa de consciência pesada, me sinto um vagabundo. Fizeram-me acreditar que vim ao mundo a trabalho.


Saber ficar à toa é uma arte, por isso admiro meu amigo Mirto Fricote, aposentado precoce, que empurra os dias com a barriga. Ele se levanta diariamente e se pergunta:


- Que tenho para fazer hoje?


E uma voz misteriosa responde:


- Nada!


O ócio é criativo, alimenta a indústria turística e cultural. Sem dizer que a preguiça é motivação do avanço tecnológico. Se o ser humano não procurasse a lei do menor esforço, nem a roda teria sido inventada.


Então, caro leitor, dispense o seu patrão. Esse cara só pensa em trabalho! Para os outros, claro...


Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras. Atualmente é secretário da Cultura de Araçatuba.

2 comentários:

HAMILTON BRITO... disse...

"...e ganharás o pão com o suor do seu rosto". Acreditei nisso com devoção; um dia , li um tal de Domenico de Masi que disse que tudo era conversa fiada. Mais que isso, fiz certas amizades e vi que a vida poderia ser levada na boa. Um finge que trabalha vendendo multi uso de limão, outro é funcionário público, outro diz que quase morre de trabalhar em uma secretaria da municipalidade. Tá bão. Usei da antiga premissa romana: ACTA EST FABULA. Se dá para eles, vai dar para mim também.
Realmente, quando me dá vontade de trabalhar, rezo uma Ave Maria, em Latim pra reforçar e a vontade passa. Isso, evidentemente, mata certas pessoas de inveja.
...Pai, perdoai-o...

jhamiltonbrito.blogspot.com disse...

" Você chega lá "...
Obrigado. Estou pago.