AGENDA CULTURAL

8.3.11

Carnaval chuvoso – Araçatuba

Hélio Consolaro

Parece que houve um duelo entre Deus e o diabo nestes dias de carnaval. O primeiro mandou água para que o mundo não ficasse como o diabo gosta: libertino, devasso.

Carnaval 2010 - Araçatuba

Não tenho essa visão maniqueísta do mundo, mas outro dia o celebrante de uma missa convidava os fiéis para o Carnaval com Cristo. E veemente incitava a presença de todos, pois era o “carnaval do bem”. Eu, num dos bancos da igreja, secretário da Cultura, gestor público do carnaval em Araçatuba, me senti um agente do mal, o capeta em pessoa.  Guardei o meu tridente, escondi meu rabo pontiagudo e ao término da missa saí disfarçadamente, como um lobo disfarçado de cordeiro.

Com a chuvarada, nem o carnaval de salão emplacou. Deus foi mesmo implacável. Casas tradicionais ficaram no prejuízo. Os bailes da Prefeitura de Araçatuba no Esporte Clube Coríntians não foram tão bem frequentado como nos anos anteriores, a não ser as matinês. Grande parte do Brasil foi atingida pelas chuvas.

Meu filho, como um viajor inveterado,  foi passar o carnaval em Tiradentes-MG. Voltou na terça-feira mesmo, pois estava mofando com tanta chuva por lá. 

Deus não é essa coisa vingativa, que vive brigando com o diabo. Isso é uma caricatura que serve a quem vive do templo. Ele é meu amigo e escreve certo em linhas tortas, em Araçatuba suspendemos o carnaval de rua em 2011 por outros motivos e acabou dando certo, pois se o tivesse mantido, o prejuízo iria ser grande, porque não ocorreria devido às chuvas.

As pessoas mais antigas ficam se perguntando por que o carnaval arrefeceu entre nós. Não pretendo explicar o mundo, mas elenco dois motivos. Um geral, outro mais particular.

Geral: numa sociedade cuja moral era excessivamente repressora, principalmente na parte sexual, o carnaval era um momento de extravasamento. Com a liberação dos costumes nesse campo, o carnaval ocorre todos os dias. Se não é mais proibido, acaba a graça. O festejo de momo está se tornando cada vez mais cultural, empresarial.

Particular: em cidades em que há um avanço do evangelismo, o carnaval se retrai. Eu me lembro que Catanduva tinha o melhor carnaval da região até ter um prefeito evangélico. Na minha avaliação, em Araçatuba as igrejas evangélicas ganham adeptos. Eles são mais rígidos nos costumes.

No antigo carnaval de Araçatuba, o chamado corso, quando carros desfilavam pelas ruas da cidade, conforme percurso determinado pela prefeitura, era, na verdade, o entrudo, porque todos saíam lambrecados de farinha, ovos quebrados na cabeça, era quase um trote universitário. Muitas bisnagas com água, lança-perfume. Aí, houve um impedimento a esse exagero.    

Em Araçatuba, houve um corte, não sei quando, em que houve  a proletarização do carnaval de rua, as classes médias e altas se afastaram dele. Este fenômeno não ocorreu em Batatais, cidade com 60 mil habitantes e 06 escolas de samba. Quem dirige o carnaval da cidade são, na maioria, os descendentes de italianos pertencentes à classe média alta. No carnaval de rua, vendem ingressos para a arquibancada, R$ 5,00 por noite (8 mil lugares) e os 124 camarotes são vendidos a R$ 1 mil e não sobra um vazio.  Há um sambódromo no recinto de exposição de gado, onde as escolas desfilam. No último dia, a pista é liberada para as manifestações espontâneas. O pessoal solta a franga.
Antônio Carlos Spironelli (folião n.º 1 do carnaval araçatubense),
rainha e rei momo João Navarro
Não vamos copiar tudo de Batatais, temos uma história que precisa ser respeitada. Nem queremos que o carnaval  de rua de Araçatuba volte a ser o que era, impossível. Mas precisamos dar uma personalidade para os festejos de momo. Não podemos ficar nessa lenga-lenga, fazer por fazer, esperar tudo da Prefeitura. A filosofia precisa mudar, estamos tentando, com a permissão do prefeito Cido Sério.   
*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor, membro da Academia Araçatubense de Letras e da UBE. Atualmente é  secretário municipal da Cultura de Araçatuba.
  

3 comentários:

Unknown disse...

Parabéns pelo post, prof. Hélio Consolaro!Muito sábias suas palavras. A filosofia não só do Carnaval, como de todos eventos culturais de Araçatuba precisa mesmo mudar.Valeu pelo esforço para que isso aconteça. Agradeço como cidadã!

Anônimo disse...

O carnaval de antigamente era realmente muito mais agradavel pois a população soltava a franga, em oposição à uma sociedade rigida, mas sem agredir o outro. Nos últimos carnavais que fui, muito se perdeu, deixando de lado as musicas tipicamente carnavalescas e até mesmo os sambas enredo, pra tocar os funks cariocas que nada tem a ver com a folia de Momo. Acho que a atitude da prefeitura, embora tenha deixado muitos irados, foi acertada no sentido de evitar gastos desnecessarios.

WANIA disse...

GOSTEI!